
Nos últimos dias, percorri digitalmente os 853 municípios de Minas Gerais, acessando seus sites institucionais e conhecendo suas estruturas administrativas no turismo. O que encontrei foi, ao mesmo tempo, um retrato da nossa realidade e um alerta: o turismo ainda é tratado como coadjuvante.
Na maioria dos municípios, o setor está vinculado a pastas como Cultura, Esporte ou Educação. Poucos têm secretarias próprias, e muitos sequer possuem canais de comunicação específicos, dificilmente vemos um “turismo@” dedicado. Isso mostra que o turismo, na prática, ainda não tem voz institucional.
Além da estrutura limitada, percebi que a grande parte dos gestores e secretários não possui formação técnica ou experiência no setor. São nomeações políticas, muitas vezes feitas por conveniência e não por competência. Esse cenário limita o desenvolvimento de políticas públicas eficazes, impede a criação de projetos inovadores e deixa de aproveitar o enorme potencial transformador que o turismo oferece.
Precisamos de gestores capacitados
Outro ponto crucial: é urgente que os municípios tenham à frente da pasta do turismo profissionais com conhecimento técnico e formação na área. Assim como a educação exige pedagogos e a saúde exige médicos e enfermeiros, o turismo também deveria ser liderado por quem entende do setor.
Deveria existir uma lei estadual que regulamente a obrigatoriedade de formação específica ou experiência comprovada para quem ocupa a pasta do turismo. É inaceitável que cidades desperdicem seu potencial por falta de competência administrativa.
O problema com o ICMS Turismo
Apesar dos avanços, o ICMS Turismo ainda é mal compreendido e, muitas vezes, mal utilizado. Muitos municípios mineiros recebem os repasses, mas não direcionam o recurso ao Fundo Municipal de Turismo. Ao invés disso, o valor cai na Fonte 100 — que é o caixa geral da prefeitura — e acaba sendo utilizado em outras áreas que não o turismo.
Isso é um erro grave. O ICMS Turismo foi criado para fomentar o setor, estruturar o destino, capacitar profissionais, melhorar o atendimento ao turista e promover o município. Quando esses recursos não são aplicados como deveriam, os gestores perdem a oportunidade de alavancar a economia local de forma sustentável.
Esse desvio de finalidade deveria ser motivo de alerta. É fundamental que os prefeitos e secretários se atentem a isso. Mais do que isso, deveria existir uma lei estadual que obrigue os municípios a direcionar 100% do ICMS Turismo para o Fundo Municipal de Turismo, com prestação de contas e fiscalização efetiva.
O orçamento invisível e o desinteresse político no turismo
Um dos maiores entraves para o desenvolvimento do turismo nos municípios brasileiros — e em especial em Minas Gerais — não é apenas a falta de estrutura técnica ou de profissionais qualificados. Existe um problema ainda mais profundo: a falta de orçamento destinado à pasta do turismo e a clara falta de interesse político em fortalecê-la.
Em muitas prefeituras, o turismo sobrevive com recursos mínimos, quando não simbólicos. Mesmo com o potencial econômico já comprovado, o setor continua sendo tratado como secundário no planejamento orçamentário municipal. O turismo é visto como “gasto” e não como “investimento”, o que limita a execução de ações, projetos e a participação em eventos estratégicos.
Esse problema é agravado pela postura de muitos prefeitos, que não dão voz nem autonomia à pasta de turismo. O turismo raramente é prioridade nos discursos ou nas agendas de governo. Pior: quando há possibilidade de buscar emendas parlamentares — que seriam essenciais para fortalecer o setor —, a maioria dos gestores opta por investir em áreas que geram retorno político mais imediato, como saúde, educação e infraestrutura pesada.
Os parlamentares, por sua vez, preferem direcionar recursos para setores que garantem maior visibilidade eleitoral. O turismo, infelizmente, ainda é pouco compreendido por boa parte da classe política como uma ferramenta de desenvolvimento e transformação social.
Essa ausência de apoio político cria um ciclo vicioso:
Sem orçamento, a pasta não consegue se estruturar;
Sem estrutura, não entrega resultados visíveis rapidamente;
Sem resultados, continua sendo desprezada por prefeitos, parlamentares e comunidade.
Romper esse ciclo exige mudança cultural, técnica e legislativa. É preciso educar os gestores públicos e parlamentares sobre o impacto real que o turismo pode gerar em emprego, arrecadação e qualidade de vida. O turismo precisa deixar de ser visto como uma “despesa de luxo” e passar a ser tratado como um vetor estratégico de desenvolvimento.
Além disso, seria essencial criar mecanismos legais que incentivem e até obriguem a destinação mínima de recursos orçamentários para o setor, assim como acontece em outras áreas protegidas por legislação específica.
O turismo como motor de transformação
O turismo é uma das formas mais acessíveis e sustentáveis de promover o desenvolvimento local. Ele traz benefícios econômicos rápidos, gera empregos diretos e indiretos, fortalece a identidade cultural e contribui para a conservação ambiental. O mais impressionante: é um setor que demanda, muitas vezes, menos investimento público do que outras áreas estratégicas.
Em Minas Gerais, o turismo movimenta bilhões todos os anos e é responsável por sustentar centenas de milhares de empregos. Segundo dados da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, entre maio de 2023 e maio de 2024, Minas teve um crescimento de 11,8% na atividade turística, superando a média nacional. Isso representa arrecadação, empregos e qualidade de vida.
Por que, então, o turismo continua sendo tratado como algo secundário?
O caso inspirador de Grão Mogol
Em Grão Mogol, a transformação se concretizou. Situada na Cordilheira do Espinhaço, a gestão pública, os empresários e a comunidade entenderam o seu potencial: trilhas, cachoeiras, patrimônio histórico, a vinícola local e o maior presépio a céu aberto do mundo atraem turistas. A colaboração com Estado, Sebrae, Sesc e Senac implementou um plano de valorização, gerando crescimento de 20% ao ano no turismo, ocupação plena em alta temporada e aumento de 50% no emprego formal no setor.
Após perceber a importância do turismo, o município estruturou roteiros, capacitou prestadores e implementou comunicação institucional. Grandes eventos passaram a acontecer: o Abeta Conecta (2021) e o Congresso Brasileiro de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta Summit), sediado em 2023 — impulsionando networking e fortalecendo a cadeia turística. Na WTM Latin América 2025, em São Paulo-SP, lançaram roteiros de cicloturismo com e‑bikes e trilhas guiadas, confirmando a vocação para o turismo de aventura.
O resultado ganhou reforço midiático: imprensa, Secretaria Estadual da Cultura e Turismo e agentes como a CVC promoveram Grão Mogol como destino-modelo. Agora, o município está entre as Melhores Vilas Turísticas do Brasil, reconhecido pela ONU Turismo graças ao bom desempenho social, ambiental e cultural. Grão Mogol se tornou, também, forte candidato ao selo UNESCO por seu ecoturismo e patrimônio.
Conclusão: transformar vidas por meio do turismo
O turismo pode transformar cidades. Pode transformar vidas. Grão Mogol, Ouro Preto, São Tomé das Letras, Paracatu e Capitólio, são provas concretas de que, quando bem gerido, o turismo cria oportunidades, gera riqueza, valoriza a cultura local e protege o meio ambiente.
Agora, o que precisamos é de estrutura, seriedade e visão de longo prazo. É hora de tratarmos o turismo com o respeito que ele merece.
Porque no fim das contas, quando falamos de turismo, estamos falando de pessoas. E investir em pessoas é sempre o melhor caminho.
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