11 de março de 2025

 

Cooperativismo

O poder da mandioca

Tito Matos*

O Dr. Milton Gomes, conhecido como Bacalhau entre os colegas, foi um dos mais populares e dedicados técnicos da antiga Companhia de Financiamento da Produção (CFP). Era vivaz e espirituoso vascaíno. Sabia conservar as amizades com seu jeito nordestino de ser. Logo que foi contratado, Bacalhau escolheu a mandioca como o seu produto preferido. Elaborou profundos estudos sobre a importância do tubérculo para a agricultura familiar. Dr. Milton Gomes se apaixonou pela macaxeira. Ou seria aipim?

Ele pouco se importava com as gozações dos colegas:

— Bacalhau, quem come muita farinha tem uma vantagem; não precisa usar papel higiênico, usa espanador.

Bacalhau se continha, não achava graçCerta feita, Dr. Milton Gomes foi fazer uma palestra sobre a mandioca no interior da Bahia. Sabem onde? Lá na distante Santa Rita. Fato inusitado: um técnico de Brasília palestrar “lá nos cafundós”. Quando o mestre de cerimônia convidou o conferencista à mesa, o lotado auditório não economizou nos aplausos. Bacalhau todo estiloso, cheio de si, convencido. Fez uma brilhante palestra, das 9 às 12h, incluindo os debes. Este escriba estava lá. Todos os anos, os técnicos da CFP iam ao Ministério da Fazenda debater o reajuste dos preços mínimos para os produtos amparados pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM). Presente à reunião, o Dr. Milton, com o seu “voto” (exposição de motivos), um catatau de 20 páginas, com textos, quadros, fotos e gráficos. Em tempo de inflação alta, Bacalhau defendia um reajuste de 40% para o preço mínimo da mandioca e seus derivados. Foi aí que um monetarista da Fazenda o provocou:

– Dr. Milton, como conceder um reajuste de 40% no preço mínimo para um produto que 90% é água?

Nesta hora, o sangue subiu à cabeça do Bacalhau. Nervoso, se levantou de punho cerrado e ia se dirigindo ao provocador do outro lado da mesa. A turma do “deixa disso” o segurou.

Tantos anos passados, faço agora tal registro ao viver momentos de inflexão e contemplação. Foi com Bacalhau que fiquei sabendo que, depois de proclamada a Independência do Brasil, para eleger o candidato de cada paróquia, o eleitor tinha que ter uma renda anual equivalente a duas toneladas de farinha de mandioca. Para ser eleitor ou candidato de província, era exigida uma renda anual de três toneladas e meia de farinha. E só poderiam votar e ser votados para os cargos de deputado e senador, aqueles cuja renda anual fosse equivalente a 14 toneladas de farinha de mandioca.

Segundo o historiador gaúcho Eloy Terra, era uma forma de impedir que os homens do povo chegassem ao poder.

É possível que os colegas da antiga CFP do Dr. Milton Gomes não soubessem disso. Para muitos deles, mandioca não passava de um subproduto. Só não tinham coragem de dizer isso para o valente Bacalhau.

*Jornalista


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