18 de janeiro de 2018

Ambientalistas tentam salvar as últimas doze rolinhas - do - Planalto


 OUÇA A REPORTAGEM

ROLINHA-DO-PLANALTO FOI REDESCOBERTA EM MINAS GERAIS DEPOIS DE 74 ANOS (FOTO: RAFAEL BESSA)

Oornitólogo Rafael Bessa estava a caminho do trabalho, como consultor ambiental em uma produtora de celulose em Minas Gerais, quando avistou uma área bonita de mata que não conhecia. Resolveu parar um pouco para relaxar, tirar fotos e observar algumas aves. Ao longe, escutou o canto de um tuque, um saíra-amarelo, um trinca-ferro. Mas tinha um diferente. Até era familiar, mas Bessa não conseguia saber o que era.

Pegou um gravador para registrar a vocalização que o intrigava. Não ficou muito boa, mas mesmo assim decidiu reproduzi-la no local. É uma estratégia de ornitólogos, já que os pássaros acabam se aproximando com intuito de defender o território ao ouvir um canto igual ao seu.

Leia mais:
Matemático prevê 6ª extinção em massa na Terra
Salamandra sumida há quatro décadas "retorna" da extinção

Não deu outra. Logo uma rolinha, espécie da família dos pombos, se revelou em meio à mata. Mas essa era diferente. Não era uma roxa, branca, ou asa-canela, populares no país. Era uma rolinha especial, com um belo par de olhos azuis. Mas foram os seus que se encheram de lágrimas. “Ao mesmo tempo em que as pernas começam a bambear, instantaneamente meu sistema nervoso parassimpático se comunica com o sistema digestivo através do nervo vago…”, divagou em postagem no Facebook.

Ele estava nervoso, e não era para menos. Era uma Columbina cyanopis, popularmente conhecida como rolinha-do-planalto. Descoberta em 1823, a espécie não era avistada na natureza desde 1941. “Nada pode definir a sensação de estar de frente com um fantasma. Logo eu, tão cético sobre tudo, fui confrontado com uma ave que me fez ter dúvidas se estava acordado ou sonhando”, disse Bessa.

Após o encantamento, no entanto, veio a preocupação. “A felicidade do encontro só não é maior que a responsabilidade de garantir a sobrevivência da espécie em longo prazo”, contou. Isso aconteceu em julho de 2015. Diante de tanta empolgação, o normal seria sair divulgando seu achado a torto e a direito. Mas ele sabia que não era o certo a fazer. Foi quando procurou a SAVE Brasil, uma associação nacional para a conservação das aves.

“Sendo um conservacionista, ele sabia que era uma espécie rara, sumida por tanto tempo, em uma localização frágil. Se divulgasse atrairia muita atenção das pessoas locais, de um possível tráfico de animais”, revela Albert de Aguiar, coordenador de projetos da SAVE Brasil. “Se a gente simplesmente divulgar que encontramos a rolinha- do-planalto, pode ser que façamos ela sumir instantaneamente”.

Até hoje somente alguns especialistas próximos conhecem os detalhes da localização da área, e o canto do passaro. A atitude é corroborada por um artigo publicado na revista Science em maio de 2017, entitulada “Do not publish” (“Não publique” em português) que aponta os problemas decorrentes de divulgar o encontro com uma espécie ameaçada de extinção.

“Existem vários casos pelo mundo, onde espécies novas, descritas e publicadas, foram imediatamente extintas por ter atraído traficantes internacionais”, afirma Aguiar. “Animais raros têm um valor de mercado grande”.

O primeiro passo foi encomendar um estudo com um especialista local, que ficou seis meses para fazer um levantamento do número de rolinhas-do-planalto da região. Encontrou doze. Uma situação extremamente crítica. “Para se ter uma ideia, nos critérios internacionais, abaixo de 250 indivíduos, é considerado em risco iminente de extinção”, conta. “Agora, imagina doze”.

Com financiamento da Fundação O Boticário, iniciaram uma pesquisa para buscar a espécie em outros lugares. Sem sucesso. Viram que precisavam de qualquer forma criar um parque no local, a fim de tentar manter seguras as derradeiras rolinhas-do-planalto.

Com o apoio da organização ambientalista internacional Rainforest Trust, levantaram fundos para comprar a área. Um processo ainda em andamento. “Existem conversas para uma associação com os órgãos estaduais para que não seja somente uma reserva particular, mas sim um parque”, diz Aguiar. Nos estudos vimos que a área é importante para outras aves também, para a biodiversidade, para a água da região”.

Somente então, pretendem tornar pública a localização e divulgar a voz da espécie, ainda desconhecida pela comunidade científica. “A descrição original da espécie foi coletada pela primeira vez bem distante dali, perto de Cuiabá (MT)”, conta. Com a vocalização do bicho, as pessoas podem procurar por ela em outras partes do Brasil. Em lugares que não acharíamos sozinhos. 

Curte o conteúdo da GALILEU? Tem mais de onde ele veio: baixe o app da Globo Mais para ver reportagens exclusivas e ficar por dentro de todas as publicações da Editora Globo. Você também pode assinar a revista, por R$ 4,90 e baixar o app da GALILEU.

Nenhum comentário:

Postar um comentário