Por Joan Dunayer / Traduzido do inglês por David Olivier
Tradução: Juliana Marques
Este artigo apareceu na revista americana Animal’s Agenda (número de julho-agosto 1991), que deu-nos amavelmente a autorização para esta tradução.
Para certos nomes de peixes, não foi encontrado o equivalente em francês. Eles são, segundo o caso, deixados em inglês, ou traduzidos literalmente com o nome em inglês entre aspas.
Blackie, peixe vermelho da variedade kinguio, nadava com muita dificuldade devido a uma grave deformação. Big Red, peixe vermelho maior, notou sua angústia. Desde o instante em que Blackie foi colocado em seu aquário na loja de animais, Big Red começou a notá-lo. “Big Red supervisiona sem descanso seu amigo doente, levanta-o suavemente nas suas costas grandes e passeia com ele pelo aquário”, conta um jornal sul-africano em 1985. Cada vez que a comida é colocada na superfície da água, Big Red carrega Blackie para que eles possam comer juntos. Faz um ano que Big Red demonstra sua “compaixão”, segundo o proprietário da loja.
Por outro lado, os seres humanos demonstram ter bem menos compaixão para com os peixes. Trágica e ironicamente, os humanos não reconhecem a sensibilidade dos peixes, a qual, sob várias perspectivas, pode chegar a ultrapassar a dos humanos.
O mundo perceptível dos peixes
As orelhas internas dos peixes percebem todo o mundo aquático que os humanos não podem perceber sem ajuda de hidrofones. Como não possuem cordas vocais, os peixes “falam”comprimindo suas vesículas nadadoras, fazendo ranger seus dentes faríngeos. Ao esfregarem suas espinhas umas nas outras, eles produzem sons que podem variar de zumbidos e de barulhos a ganidos e soluços. Segundo descobertas de especialistas de biologia marinha, a “vocalização” dos peixes comunica estados como paquerar, dar sinal de alarme ou mostrar submissão, ao mesmo tempo em que comunicam a espécie, o tamanho e a identidade individual do “locutor”. O satinfin shiner macho, por exemplo, ronrona quando faz a corte e emite batidas surdas quando defende seu território. A linha lateral, órgão sensitivo que a maioria dos peixes possui de cada lado do corpo, forma uma série de filamentos sensíveis alinhados da cabeça ao rabo, detectando também as vibrações. Enquanto o peixe nada, este órgão sinaliza para o peixe os objetos próximos graças às vibrações que envia, autorizando assim a navegação e a localização precisa das presas no escuro.
A sensibilidade dos peixes à luz é maior que a nossa. Muitos peixes das profundezas vêem na penumbra onde um gato não vê nada. As espécies de água pouco profundas têm uma visão em dois níveis ao nascer do sol; os cones da retina, sensíveis à cor, avançam e os bastonetes, sensíveis à luz fraca, retraem-se em profundidade; enquanto, ao por do sol, o processo se inverte. Durante a transição, numerosos peixes se beneficiam da percepção da luz ultravioleta, que é suficiente para lhes indicar a silhueta dos insetos na superfície da água. Uma luz viva repentina, vinda, por exemplo, de uma lanterna, surpreende e desorienta um peixe que tem visão adaptada para a noite. Isso pode provocar sua fuga, sua imobilidade ou mesmo sua submersão. A luz pode também destruir os bastonetes.
Na maioria dos peixes, as papilas gustativas se localizam não somente na boca e na garganta, mas também nos lábios e no focinho. Muitas das espécies que se alimentam no fundo têm receptores gustativos também na extensão das suas nadadeiras pélvicas ou nas barbatanas de seus queixos, que servem como línguas externas. Os peixes-gatos podem provar o alimento a certa distância graças a milhares de receptores gustativos.
Que sensibilidade os peixes têm ao odor? Os salmões podem percorrer milhares de quilômetros ao longo de suas migrações e, muitos anos mais tarde, reconhecer o odor do curso da água de origem. As enguias americanas detectam o álcool a uma concentração de uma fração de bilhão de gota em 90 m3 de água (o conteúdo de uma grande piscina). Através deste único odor, certos peixes podem determinar a espécie, o gênero, a receptividade sexual, ou a identidade individual de outro peixe.
Os peixes reagem fortemente ao fato de serem tocados. No momento de paquerar, eles freqüentemente se esfregam de maneira delicada uns nos outros. Os registros efetuados pelo Narragansett Marine Laboratory revelaram que o robin dos mares [sea robin] ronrona quando é acariciado. Ricardo Mandojana, fotógrafo submarino, ganha a amizade de um peixe-judeu inicialmente desconfiado coçando levemente a sua face. Com o passar dos meses, o peixe, aparentemente impaciente por ser acariciado, vem ao encontro do mergulhador durante seus passeios.
Numerosas espécies de peixes têm centenas de receptores elétricos na pele, o que lhes permite detectar a forma do campo que eles mesmos produzem. Um objeto menos condutor que a água, como uma rocha, forma uma sombra no campo; um objeto mais condutor, como uma presa, aparece como um ponto brilhante. A imagem elétrica que o peixe percebe indica o local, o tamanho, a velocidade e a direção do movimento do objeto. Um peixe elétrico pode também “ler”a carga produzida por um outro, a qual depende do tamanho, da espécie, da identidade individual e das intenções (que podem ser, por exemplo, o desafio ou a procura de um parceiro sexual) daquele que o produz. O peixe-faca listado macho afirma seu domínio por meio de uma série de impulsos rápidos; seu rival potencial se submete parando de “falar”.
Produzindo ou não o mesmo sinal elétrico, numerosos peixes são sensíveis ao campo elétrico que produz todo ser vivo e podem, assim, detectar uma presa escondida na areia ou no cascalho. Theodore Bullock, especialista dos sistemas nervosos, notou que certos tubarões podem perceber um campo elétrico equivalente ao que produz uma pilha de 1,5V a 1500 km.
A capacidade que eles têm de sofrer
De acordo com outras sensibilidades, não há duvida sobre a capacidade dos peixes de sentir stress e dor. Quando são perseguidos, capturados, ou ameaçados de todas as maneiras, eles reagem como os humanos face ao stress pelo aumento da sua freqüência cardíaca, do seu ritmo respiratório e por uma descarga hormonal de adrenalina. O prolongamento de condições adversas, como grande confusão ou a poluição, ameaça lhes fazer sofrer de deficiência imunitária e de lesões orgânicas internas. Tanto pela bioquímica como pela estrutura, seu sistema nervoso central se parece intimamente com o nosso. Nos vertebrados, as terminações nervosas livres registram a dor; os peixes a possuem em abundância. Seu sistema nervoso produz também as encefalinas e as endorfinas, substâncias análogas aos opiáceos que possuem um papel contra a dor nos humanos. Quando estão machucados, os peixes se contorcem, ofegam, e exibem outros sinais de dor.
Fica lógico que os peixes sentem medo, e este tem uma função na aquisição do comportamento de fuga. Se um vairão for atacado uma vez por um brochet, ou se vir outro ser atacado, o odor de um brochet é suficiente para fazê-lo fugir. Os peixes que foram atacados por jovens brochets fogem assim que escutam o rangido de dentes desses últimos. O pesquisador R.O. Anderson mostrou que os Percas de boca grande aprendem a evitar rapidamente os anzóis simplesmente ao verem outros serem capturados. Centenas, talvez milhares de experiências foram feitas durante as quais os peixes foram levados a cumprir tarefas dentro do objetivo de evitar choques elétricos.
Numerosos cientistas reconheceram ter induzido os peixes ao medo. Entre as “observações do comportamento motivado pelo medo nos peixes vermelhos” feitos pelo psiquiatra Quentin Regestein, encontrou-se: “Um peixe assustado pode se enlaçar avançando ou fugir ou se agitar no mesmo lugar, ou ficar simplesmente mole se ele não suporta a situação”.
Os peixes gritam tanto de dor quanto de medo. Segundo Michael Fine, biólogo marinho, a maior parte dos peixes que produz sons “vocalizam” quando tocados, quando pegos, ou quando perseguidos. Numa série de experiências, William Tavolga fez murmurar peixes-sapos infligindo-lhes choques elétricos. Começaram também a murmurar logo que viam eletrodos.
Os peixes “animais de estimação”
Mesmo quando não há a crueldade da experimentação animal, a captura dos peixes negligencia as suas necessidades mais fundamentais. Nervosos e frágeis, eles estão mal adaptados a uma vida reclusa em aquário. Todavia, só nos Estados Unidos, centenas de milhões de peixes estão aprisionados.
Os peixes são mais sensíveis à temperatura do que qualquer outro animal de sangue quente. Uma variação brusca de apenas alguns graus pode matar um peixe vermelho. No entanto, alguns são colocados em pequenos reservatórios onde a temperatura pode variar rapidamente.
Os peixes de aquário não possuem nenhuma possibilidade de escapar das substancias tóxicas que penetram em sua água. Numerosos poluentes domésticos podem lhes prejudicar, entre eles a fumaça do cigarro, os vapores de pintura e as gotas de vaporizadores. Dentro de um bocal ou reservatório, o amoníaco que eles mesmos excretam pode se acumular e chegar a um nível tóxico. O próprio cloro em pequena quantidade pode, como o amoníaco, induzir a dificuldades respiratórias e espasmos nervosos. O nível de cloro da água da torneira pode facilmente ser fatal.
Os peixes de aquário são bombardeados em permanência por cenas e barulhos dos humanos. O simples fato de acender a luz num quarto escuro pode assustá-los ao ponto de lançarem-se contra o vidro, e se matarem. As vibrações vindas da televisão, do radio, ou de uma porta que bate podem também os assustar e machucar. Em You and Your Aquarium, Dick Mills previne que “qualquer choque ou batida no vidro do aquário pode facilmente chocar ou estressar os peixes”. Um pesquisador, H.H.Reichenbach- Klinke, descobriu que peixes freqüentemente expostos a musica forte desenvolvem lesões mortais do fígado.
Os peixes de aquário são deixados à mercê da agressão artificial, mas são privados da natural. Eles não têm necessidade de atividades como a procura de alimento através da vida diversificada dos recifes de corais. Ao contrário, eles percorrem as mesmas dezenas e centenas de litros, e aceitam passivamente dia após dia a mesma comida comprada pronta. Segundo Mills, os peixes de aquário sofrem seguidamente de tédio.
Os peixes vermelhos e outros peixes sociais necessitam da companhia de membros de sua espécie, sem a qual, comenta ainda Mills, “podem perecer”. Quando perdem um companheiro, observamos nos peixes sociais os sinais de depressão, tal como letargia, palidez ou nadadeiras moles. O zoólogo George Romanes comenta em Animal Intelligence o seguinte incidente: quando um proprietário de aquário se desfez de um dos seus dois ruff, o que ficou parou de comer durante três semanas até o dia em que trouxeram seu companheiro.
O mal que os aquarófilos infligem aos peixes ultrapassa amplamente o aquário. Inúmeros são os peixes que morrem antes de chegarem ao varejista, durante o transporte desde o local de captura, ou desde a “fazenda de peixes” (onde nascem atualmente 80% dos peixes ditos “ornamentais” dos Estados Unidos). Somente a captura mata ou machuca milhões. Eles são imobilizados com o auxilio de anestésicos, de dinamite ou de cianeto, depois capturados com a mão ou redes. William McLarney, biólogo de pesca, observou uma captura com bomba de cianeto:
Uma dúzia de peixes-esquilos vermelhos rapidamente foge em bando do seu habitat de coral a 8 metros de profundidade e se lança, sufocando e trepidando, até a superfície. Seu impulso os leva a até trinta centímetros acima da superfície, de onde caem com pequenos ruídos secos, e ao final bóiam, cansados, girando fracos em círculos. Sobre eles, um Mero de três libras tosse violentamente, as brânquias ardendo. Ele tenta nadar mas é derrubado, depois bóia sem ruído como uma bóia sinistra.
Nesse meio tempo, no fundo, peixes mais “comuns” para interessarem aos clientes “entram em convulsão ou escorregam sem movimento”.
A pesca comercial
A pesca comercial também dizima os peixes, matando milhares a cada ano. Em geral, para eles, a morte não é rápida nem indolor.
Na pesca de arrastão, o barco fecha, com uma rede, um círculo em torno de um cardume, depois iça, suspende o cardume e o joga dentro da salmoura líquida que é mantida a O grau Celsius. Aqueles que não morrem esmagados ou estrangulados são vitimas do choque térmico. Este método, empregado por pescadores que caçam os atuns de nadadeiras amarelas, provoca uma tempestade de protestos a favor dos golfinhos que nadam por baixo dos atuns e se enroscam nas redes com eles. Mas poucas vozes se elevam contra a morte dos próprios atuns. E os atuns são também animais sensíveis às vibrações, portanto é claro que eles também ficam aterrorizados e feridos pelos barcos motorizados e pelas explosões submarinas que levam os golfinhos a se agruparem em um lugar. A onda de pressão de uma detonação submarina pode romper a vesícula nadadora de um peixe.
Na pesca com rede, um barco se movimenta carregando atrás dele, na água, uma enorme rede. Todos os peixes que entram são empurrados pelo movimento de tração em direção à sua extremidade que possui a forma de um saco rendado. Durante uma ou mesmo quatro horas, os peixes capturados são puxados e pressionados uns contra os outros, juntamente com outros fragmentos e seixos que a rede colhe do fundo. Em Distant Water: The fate of the North Atlantic Fisherman, William Warner fala de uma captura: “o atrito dos peixes uns contra os outros devido à agitação e a compressão prolongada da rede lhes enfraquece as escamas incisivas”. “A fricção, de fato, deixa-os em carne viva”.
A descompressão à qual são submetidos torna-se insuportável quando são forçados a subir depois de certa profundidade. A queda da pressão provoca uma dilatação do gás encapsulado em sua vesícula nadadora, que não pode ser compensada rapidamente pela absorção da circulação sanguínea. Em seguida, a pressão interna faz com que a vesícula nadadora arrebente, ou os olhos saiam da órbita, ou o esôfago e estomago saiam pela boca. “Muitos dentre eles têm buracos onde deveriam estar os olhos”, comenta Warner numa de suas observações sobre um barco pesqueiro. Em outro momento, ele nota que, dentro da rede, há “uma grande espuma de bolhas… provindas de milhares de vesículas nadadoras rompidas”1“.
Os peixes relativamente pequenos, tais com as solhas espinhosas, são comumente esparramados sobre a pilha de gelo; a maioria morre sufocada ou esmagada pelas camadas seguintes de outros peixes. Os peixes maiores tais como os hadoques ou bacalhaus têm suas vísceras arrancadas imediatamente. William MacLeish descreve o método de triagem que ele viu ser praticado: a equipe de pescadores esfacela os peixes com bastões afiados, “jogando de um lado os bacalhaus, de outro lado os hadoques, lá ainda os rabos-amarelos” [Yellowtail] . Em seguida, os peixes não desejados (“lixo”), que representam muitas vezes a maioria da captura, são jogados sobre a margem, muitas vezes com um tridente (ancinho).
Somente numa tarde, os pescadores podem jogar no mar até 60000 km de redes; dentro das águas profundas do Pacifico, usam-se sobretudo redes móveis, mas pode-se também usar redes amarradas dentro das águas costeiras. Trata-se geralmente de redes de plástico que possuem bóias em uma de suas pontas e pesos na outra ponta. Essas bóias balançam como cortinas na superfície, geralmente até uma profundidade de 10 m. Além de provocarem a morte não intencional de mais de um milhão de mamíferos, de tartarugas e aves a cada ano, estas redes infligem um sofrimento enorme aos peixes.
Eles não vêem as redes e nadam diretamente para elas. Se são muito grandes para atravessá-las, os peixes geralmente ficam com a cabeça presa numa das malhas. Eles tentam então recuar, mas a malha lhes prende pelos opérculos das brânquias ou pelas nadadeiras. Muitos destes peixes vão então morrer sufocados. Outros lutam desesperadamente nas malhas cortantes e seguidamente sangram e morrem vazios de seu sangue, quer consigam ou não se libertar. Muitos dos pescadores não retiram as redes todos os dias,e a morte pode levar dias. Em Sports Illustrated (16 de maio 1988), o jornalista Clive Gammom descreve os bacalhaus pegos depois de dois dias. Muitos dentre eles estavam “sem olhos, sem nadadeiras, sem escamas”; numerosos outros foram devorados pelas pulgas do mar. Os peixes imobilizados são uma presa sem defesa (os predadores que eles atraem ficam seguidamente presos também às redes). Quando uma rede é erguida, os peixes são extraídos com gancho.
Certos pescadores comerciais pegam ainda os peixes maiores e preciosos (os peixes-espadas, os atuns e tubarões) com arpão, ou com anzóis individualmente. Mas comumente eles os prendem por longas linhas flutuantes. Este método, igualmente empregado para os peixes menores, consiste em desenrolar uma grande quantidade de fio (até 50 km) contendo centenas ou milhares de anzóis munidos de iscas.
A pesca de lazer
Em torno de 40 milhões de habitantes dos Estados Unidos – 16% – maltratam os peixes por “esporte”. Muitos adeptos da pesca de lazer afirmam que as vitimas não sofrem. Todos os dados conhecidos indicam o contrário.
O pesquisador John Verheijen e seus colaboradores estudaram a reação das carpas ao anzol num fio. Assim que são presas, as carpas agitam a cabeça, cospem como se tentassem cuspir a comida, pulam pra frente e mergulham. Obtemos a mesma reação inicial administrando-lhes choques elétricos dentro da boca. Quando são presas e mantidas numa linha estendida durante o período de alguns minutos, elas cospem o gás de sua vesícula nadadora; assim que a linha é solta, elas entram na água. Fazem exatamente o mesmo quando submetidas a um choque elétrico intenso e prolongado. De uma maneira incrível, elas reagem do mesmo modo quando as assustamos lhes prendendo num espaço reduzido ou lhes fazendo sentir o cheiro de um membro ferido de sua espécie. Os pesquisadores concluíram que o anzol suspenso num fio provoca certa combinação de terror e de dor.
Durante a luta do peixe preso ao anzol, seu glicogênio muscular (forma de estoque de glicose) é consumido e exterminado, assim como o acido láctico se acumula rapidamente em seu sangue. Em alguns minutos, a metade das reservas de glicogênio de uma truta arco-íris é desgastada pelo esforço violento que ela fornece. No número de maio de 1990 do Field and Stream, o cronista Bob Stearns reconhece que o acido láctico pode “imobilizar” um peixe “de modo bem mais rápido e intenso que as câimbras e outras dores musculares que nós, humanos, sentimos quando exercitamos demais os músculos”. Quanto mais o peixe luta, maior é a acumulação de acido láctico. Porém, os pescadores sentem prazer em “trabalhar” duro durante a pesca. No numero de julho de 1990, Stearns exalta uma “pequena esposa de pescador” que pesca um peixe espada durante mais ou menos cinco horas: “Cada vez que o peixe ficava lento, ela aproveitava a ocasião: puxando-lhe, pressionando e forçando-o a gastar suas próprias reservas de energia, não lhe dando um único instante de descanso”. Antes de ser tirado da água, muitos peixes morrem de cansaço.
Para muito outros, o pior dos sofrimentos ainda está por vir. Tipicamente, o pescador puxa os peixes médios e grandes para dentro do barco fisgando-os com a ajuda de um arpão. Às vezes eles são esfolados vivos. Muitos pescadores têm o habito de fisgar as presas ainda vivas numa corda ou uma rede que eles deixam por horas na água. Uma corda é fincada em cada peixe, geralmente pela boca e saindo por uma abertura das brânquias. Uma rede, munida de fechos que parecem enormes alfinetes, serve para emparelhar os peixes, geralmente através da mandíbula. A maioria dos peixes da pesca de lazer morre sufocada. Mesmo fora da água a morte pode ser lenta. Na edição de outubro de 1980 de Field and Stream, Ken Schulz descreve uma Perca depois de uma hora fora da água: ela tinha as nadadeiras e brânquias vermelhas e “continuava a sufocar”.
A pesca em que o pescador libera a presa inflige, no mínimo, terror, dor e uma incapacidade temporária ou seguida, permanente ou fatal. O editor adjunto de Field and Stream, Jim Bashline, admite em um artigo do número de maio de 1990 que é freqüente ver o peixe “se debater violentamente quando o pescador puxa o anzol, que ele foge e bate brutalmente no fundo do barco ou do solo rochoso”. As quedas, a manipulação dos fios ou a mão e outras agressões ainda machucam a pele superficial delicada e transparente do peixe. Esta camada mucosa externa o protege contra infecções e protege os tecidos subjacentes contra a entrada ou saída excessiva de água; todas as condições que podem ser fatais. Experiências que também foram feitas confirmam que os peixes podem morrer de envenenamento por causa do próprio ácido lático, e isso muitas horas depois de estarem exaustos, e terem ficado muito tempo completamente paralisados. O próprio anzol é sempre uma fonte de machucados. O peixe que tem a boca gravemente dilacerada pode ficar incapaz de se alimentar. Muitos peixes são ainda soltos com o anzol preso nas brânquias ou nos órgãos internos, no caso de o terem engolido.
A pesca constitui também uma tortura infligida a aqueles que são empregados como isca. Os pequenos peixes, como os Vairões (ou Tanictis) utilizados com este fim, são geralmente presos pelas costas, lábios, ou mesmo pelos olhos. Já que as feridas tendem a atrair as espécies predatórias que são procuradas, certos pescadores infligem ainda outras às suas iscas, cortando as nadadeiras ou quebrando-lhes as costas.
A administração dos peixes para a pesca de lazer
A fim de assegurar a estabilidade do número de presas, os criadores de alevinos nos Estados Unidos soltam, por ano, nos estuários das águas centenas de milhões de peixes, principalmente salmões e trutas. Ted Williams, que se descreve ele mesmo “um antigo cão de guarda dos administradores”, qualificou as criações de peixes de “lixos genéticos”. Num artigo publicado em setembro de 1987 no Audubon, ele escreve: “Depois de anos de reprodução consangüínea, as trutas dos criadores tendem a ser deformadas. Os opérculos branquiais não fecham mais, as mandíbulas são tortas, as caudas são esmagadas”. Certas más mutações são cultivadas intencionalmente; assim, a agência governamental de gestão da fauna selvagem do Estado de Utah tem produzido massivamente albinos, sensíveis à luz, para servirem de presas fáceis de serem capturadas.
Williams deplora as condições de criação de trutas dos criadores e fala de “tanques de concreto infectos e superlotados, que eliminam as escamas e as nadadeiras dos peixes”. Ele adiciona que os peixes são despreparados para a vida selvagem. Mesmo se as trutas fogem quando sentem um movimento acima delas, as que vêm dos criadouros ficam lá, esperando para serem alimentadas (os pescadores não reclamam). Williams, ele mesmo apaixonado pela pesca de linha, abre a barriga de uma truta de um criadouro, e encontra numerosos tocos de cigarro que o peixe, habituado a comer granulados, tinha engolido.
Mark Sosin, adepto da pesca de lazer e John Clarke, biólogo de pesca, escreveram um livro para os pescadores de linha, Through the Fish’s Eye: An Angler’s Guide to Gamefish Behaviour (“Através do olho do peixe: um guia sobre o comportamento dos peixes”) , no qual eles ingenuamente definem como objetivo da administração da criação dos peixes: “fornecer o melhor peixe para o prazer do pescador”. Com o objetivo de reduzir a população dos pequenos peixes que não lhes interessam e aumentar a claridade da água, os administradores esvaziam parcialmente com freqüência certos lagos e tanques, deixando assim as espécies não desejadas sofrer da falta de alimento, da falta da cobertura de água, de espaço para evitar os predadores. Friamente, Sosin e Clarke aconselham: “Quando um lago ou tanque fica fortemente povoado de espécies não desejados, a melhor solução pode ser aniquilar todos os peixes e recomeçar de novo. Podemos geralmente secar o lago, ou envenenar todos os peixes (…) Uma vez todos os peixes mortos, a bacia pode ser cheia de novo e povoada segundo a combinação desejada de espécies predatórias e presas”. A combinação desejada é, deve-se compreender, aquela que desejam os pescadores de linha e “administradores da fauna” cujos salários vêm em grande parte das licenças de pesca.
A maioria dos humanos sente pouca simpatia pelos peixes. Porque os enxergam como uma massa, ou como idênticos através de espécie, as pessoas negligenciam facilmente os peixes como indivíduos. Porque o mundo deles é um mundo aquático cujos meios de comunicação escapam aos nossos sentidos, porque sua aparência física difere tanto da nossa… Por todas essas razões, muitos humanos não lhes reconhecem a sensibilidade. O resultado é que o mau trato destes animais é socialmente aceitável. À medida que o número de pessoas conscientes acreditar na sensibilidade dos peixes, estes começarão a receber a compaixão e o respeito que merecem.
No domínio dos sentimentos, Big Red tem muito a nos ensinar.
Nota
1 “Os peixes que são largamente consumidos- atuns, arengues e bacalhaus pequenos- são todos pescados entre a superfície e em torno de 800metros de profundidade. Mas a concorrência e a raridade de bancos obrigam os barcos pesqueiros a mergulharem os fios cada vez mais profundamente. Resultado: os peixes que até agora desconhecíamos chegam ao mercado. Como o Peixe rato (ou Peixe prego), que vive a mais de 1400 metros de profundidade.
“Para responder às necessidades dos novos pescadores, uma sonda acaba de ser colocada por Micrel, uma sociedade da Bretanha, em colaboração com o Ifremer (Instituto francês de pesquisa e exploração do mar)”.
Libération, 16 de outubro de 1991; NdT.
Texto publicado nos Cahiers antispécistes n° 1 (outubro 1991)
Joan Dunayer
Escritora, editora e defensora dos direitos dos animais. Graduada de Princeton University, tem mestrados em literatura inglesa, educação inglesa e psicologia. Seus artigos e ensaios apareceram em revistas, jornais, livros universitários e antologias. Ela é a autora de Speciesism and Animal Equality.
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