17 de outubro de 2021

Antropologia Social e a crise de Paradigmas*** Autora: Luciana Magalhães de França

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Luciana Simplesmente

O TEMA QUE ME FOI DADO a desenvolver neste Artigo de Pesquisa Empírica e Científica, embora bastante oportuno dada à atualidade dos problemas que gera, devido ao caráter polissêmico do termo crise de Paradigmas. Posteriormente, procurarei distinguir modelo explicativo - que estou entendendo aqui como equivalente a paradigma - de teoria.

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(...) A noção de crise passou a habitar o horizonte das ciências sociais - e não apenas da antropologia - nessas últimas décadas a partir do celebrado livro de Thomas Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, cuja primeira edição remonta ao início dos anos 60. Tratava-se então de uma crise de paradigmas, na qual, no modo de ver de Kuhn, a história das ciências paradigmáticas (isto é, das hard sciences) constituía uma sucessão de crises, que somente poderia ser superada pela substituição do paradigma vigente na ciência normal por um novo, resultado de uma espécie de revolução científica. Muito se escreveu em decorrência da posição desse historiador da ciência, originalmente um físico, que a rigor procurava renovar a história da ciência, trazendo ao debate argumentos, inclusive, de forte apelo sociológico - como o do paradigma se assentar em comunidades de profissionais (idéia, aliás, já antecipada por seu compatriota Charles Pierce há pelo menos um século). Não vejo necessidade de evocar aqui todos os elementos que constituem o conceito kuhniano de crise e de paradigma - uma vez que são bastante conhecidos de todos nós -, senão apenas associá-los para qualificar um tipo de crise, que poderíamos chamar de crise epistêmica (...). R. C. Oliveira.

A antropologia, enquanto disciplina autônoma, já com alguma anterioridade preocupava-se com a ideia de uma eventual crise que, segundo alguns membros da comunidade de antropólogos, se avizinhava diante do previsível desaparecimento de seu objeto de estudo. Seria legítima essa preocupação, ou sequer cabia levá-la a sério? Claude Lévi-Strauss soube levá-la a sério, mas para exorcizá-la.

A crise de paradigmas da Antropologia Social pode ser real ou imaginária, mas não resta dúvida de que tem sido proclamada por muitos. Em diversas escolas de pensamento, em diferentes países, uns e outros colocam-se o problema da crise de teorias, modelos ou paradigmas. Desde o término da Segunda Guerra Mundial, e em escala crescente nas décadas posteriores, esse é um problema cada vez mais central nos debates. Além dos êxitos reais ou aparentes, das modas que se sucedem, dos desenvolvimentos efetivos do ensino e pesquisa, da produção de ensaios e monografias, manuais e tratados, subsiste a controvérsia sobre a crise da explicação na Antropologia social.

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Na atualidade fala-se na decomposição dos modelos clássicos e na obsolescência de noções como as de sociedade, comunidade, capitalismo, divisão do trabalho social, consciência coletiva, classe social, consciência de classe, nação, revolução. Critica-se a abordagem histórica, globalizante ou holística, e preconiza-se a sistêmica, estrutural, neofuncionalista, fenomenológica, etnometodológica, hermenêutica, do individualismo metodológico e outras. Considera-se que os conceitos formulados pelos clássicos já não respondem às novas realidades. Agora, o objeto da Antropologia Social deveria ser o indivíduo, ator social, ação social, movimento social, identidade, diferença, quotidiano, escolha racional.

A antropologia, enquanto disciplina autônoma, já com alguma anterioridade preocupava-se com a ideia de uma eventual crise que, segundo alguns membros da comunidade de antropólogos, se avizinhava diante do previsível desaparecimento de seu objeto de estudo. Ou, como diria um filósofo como Merleau-Ponty (1960:150), como fazendo eco ao pensamento de Lévi-Strauss: "A etnologia não é uma especialidade definida por um objeto particular, as sociedades 'primitivas'; é uma maneira de pensar, aquela que se impõe quando o objeto é [o] 'outro', e exige que nós nos transformemos" . A crise que, eventualmente, em algum momento, essas teorias poderiam ter sofrido foi rapidamente sanada pela descoberta óbvia de que nenhuma delas daria conta sozinha da realidade do parentesco e somente com a articulação complementar de ambas a disciplina poderia finalmente deslindar a complexidade do fenômeno.

Seja em termos de “pontos de apoio intermediário” conforme Marshall, de “principia media”, segundo Mannheim (1949), ou “teorias.de alcance médio”, na versão de Merton (1951, 1967), o que está em curso é o debate sobre a insuficiência ou obsolescência das teorias clássicas. Debate no qual, aos poucos, se propõem outros temas e metodologias. A problemática sociológica é posta em causa por representantes de diferentes escolas de pensamento, em diversos países. . Essa controvérsia prossegue e generalizase. Torna-se uma onda. Bourricaud (1975, p. 584) critica o. “sociologismo”, o “hiperfuncionalismo” e o “realismo totalitário”. Afirma, entre outras observações semelhantes, que “o realismo totalitário continua a constituir o modo de interpretação ao qual, espontânea e implicitamente, recorre a maioria dos sociólogos radicais”. Para superar essas limitações, preconiza a recriação do “individualismo atomístico” herdado do liberalismo e do marginalismo, conforme as contribuições de Mancur Olson, Albert Hirschman e outros. Propõe o conceito de “neo-individualismo”, no qual se admite a existência de “grupos”, “classes” e “sociedades”, entre aspas. Está a caminho das teorias do “individualismo metodológico” e “escolha racional”, vistas como aspectos básicos de um novo paradigma sociológico posto sobre os escombros dos clássicos.

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Isso nos ensina que as crises em nível de teorias são sanáveis: ou pela eliminação de uma por outra; ou pela articulação das mesmas; ou, ainda, pela convivência pacífica de teorias contrárias, porém não-contraditórias, das quais, aliás, a antropologia está plena. Essas teorias - diferença dos paradigmas, que mais seriam metateorias - constituem interpretações de realidades concretas: seja focalizando sistemas sócio-culturais globais, como as monografias clássicas concernentes a tal ou qual povo; seja procurando descrever e analisar sistemas parciais, como o parentesco, a mitologia, a religião etc., seja, ainda, através da investigação intensiva de um determinado tema ou problema, buscando dar conta, holisticamente, de um povo ou grupo social específico - como nas modernas monografias etnológica.

Entretanto, a multiplicidade das teorias não implica, necessariamente, a multiplicidade de epistemologias. É possível supor que dada epistemologia pode fundamentar diferentes propostas teóricas. Aliás, quando buscamos os princípios epistemológicos em que se fundam as teorias, verificamos que dada epistemologia parece fundamentar diversas teorias.

Notas

1     Louis Dumont, especialmente em seu livro Introduction à deux théories d'anthropologie sociale, de 1971); Ira R. Buchler & Henry A. Selby, em Kinship and social organization: an introduction to theory and method, publicado em 1968.

2     - Note-se que algumas reflexões de Merton sobre paradigmas na sociologia estão inspiradas em Kuhn.

3 - Consultar também, a esse respeito, Mills (1975).

4 - Ver, também, a respeito, Mannheim (1953) e Blumer (1956).

5 – O mesmo problema é examinado por Elster (1979).



 Referências bibliográficas

LÉVI-STRAUSS, Claude. A crise moderna da antropologia. Currier de l'Unesco, nov. 1961. Traduzido e republicado em Revista de Antropologia, v. 10, n. 1/2, 1962.

KROTZ, Esteban Krotz (org.). El concepto "crisis" en la historiografia de las ciencias antropológicas. Editorial Universidad de Guadalajara, 1982.

Roberto Cardoso de Oliveira, antropólogo, é membro do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), ambos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

BARNES, B. (1986), T. S. Kuhn y las Ciencias Sociales. Tradução de Roberto Helier, México, Fondo de Cultura Economica.

BLUMER, H. (1956), “Sociological Analysis and the Variable”. American Sociological Review, 21(6), Los Angeles, dezembro

________. (1989), “Marxismo, Funcionalismo e Teoria dos Jogos”. Tradução de R,égis de Castro Andrade, Lua Nova, n ° 17, São Paulo, pp. 163-204.

 Octavio Ianni A CRISE DOS PARADIGMAS NA SOCIOLOGIA .Problemas de explicação


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