1 de fevereiro de 2022

HALITI-PARESI OBTÉM ANUÊNCIA PARA REALIZAÇÃO DE TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NA ALDEIA WAZARE

A atividade, prevista no Plano de Gestão Territorial e Ambiental dos Paresi, é alternativa sustentável para geração de renda e valorização cultural

Os indígenas do povo Haliti Paresi que vivem na aldeia Wazare, localizada na Terra Indígena Utiariti, no município de Campo Novo dos Parecis, em Mato Grosso (MT), receberam a anuência da Fundação Nacional do Índio (Funai) para executar seu projeto de Turismo de Base Comunitária (TBC) na aldeia, no final de dezembro de 2021. A atividade permite a valorização da cultura tradicional, além de colaborar para a autonomia financeira dos indígenas. 

Paulo Zenazokemae, presidente da associação Waymaré, do povo Paresi, conta que a ideia da realização de atividades turísticas no território Haliti começou na aldeia do Rio Formoso, localizada no município de Tangará da Serra. “Isso foi há muito tempo, a comunidade de Wazare também se interessou em buscar o turismo comunitário, para complementar a renda das atividades que estão sendo realizadas hoje pela comunidade. Mas a questão mais importante é o incentivo à cultura, a tradição, que o turismo fortalece aqui dentro da aldeia da comunidade Paresi”, diz orgulhoso.

O turismo comunitário da aldeia Wazare se fortaleceu com o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) das nove terras indígenas Haliti Paresi, elaborado entre 2016 e 2019. Para a implementação do PGTA Paresi, as associações Waymaré e Halitinã -organizações representantes do povo Haliti – escolheram seis aldeias que já vinham realizando atividades turísticas no território. Com o apoio técnico da Operação Amazônia Nativa (OPAN), The Nature Conservancy (TNC) e Garupa, em 2019 iniciou-se o projeto para o fortalecimento do turismo de base comunitária, com a elaboração de planos de visitação no território Haliti, e a realização de oficinas de formação e expedições de mapeamento das trilhas e da estrutura local.

Aldeia Wazare, localizada na Terra Indígena Utiariti, no município de Campo Novo dos Parecis, em MT / Foto: Rony Paresi

Giovanny Vera, indigenista da OPAN, ressalta a importância da autonomia dos indígenas na distribuição de recursos oriundos do etnoturismo, e com isso o fortalecimento da governança local. “As tomadas de decisão são feitas pela  comunidade, com protagonismo deles no desenvolvimento e na operação da atividade turística.”

Ele reitera que o Plano de Visitação dos indígenas Haliti Paresi traz diversos benefícios à comunidade. “Um dos maiores benefícios é o do povo valorizar ainda mais a sua própria cultura, quando percebe que pessoas de fora vêm justamente para poder conhecer suas tradições, para conhecer a história dos indígenas, não para olhar simplesmente uma cachoeira, mas sim para conhecer a história da cachoeira.”

O indigenista lembra que a Wazare é uma das seis aldeias que atuam com o turismo comunitário. “Essas aldeias já vinham realizando atividades turísticas, então as associações Halitinã e Waymaré propuseram a elaboração do Plano de Visitação delas.”

Indígenas Haliti Paresi em Wazare / Foto: João Bispo/CNP Turismo

Publicada em junho de 2015, a Instrução Normativa nº 03 da Funai orienta o desenvolvimento de atividades de visitação turística em TIs. A normativa foi aprovada restringindo a atividade ao modelo de base comunitária, nas modalidades de etnoturismo e ecoturismo, prevendo também o turismo de pesca esportiva, desde que sejam realizados os estudos de impacto ambiental necessários. Segundo a instrução, cabe aos indígenas decidir sobre o uso dos recursos naturais existentes em seu território – desde que a atividade em questão seja desenvolvida com o protagonismo das comunidades e de maneira coletiva, não podendo ser realizada por um grupo restrito ou à revelia da maioria.

De acordo com o Plano de Visitação da aldeia Wazare, o turismo tem contribuído para aumentar a geração de renda dos indígenas. E a renda anual dessa atividade gira em torno de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), recurso distribuído entre moradores da aldeia, melhora da infraestrutura e aquisição e manutenção de materiais relativos à atividade”, diz um trecho do documento que conta a conexão dos indígenas com o turismo que começou em 2009.

Demonstrações de danças, cantos e pinturas são algumas das atividades turísticas oferecidas aos viajantes / Foto: João Bispo/CNP Turismo

A renda do turismo comunitário é dividida igualmente entre todos. “Metade do recurso é destinado a reaplicação e investimento no próprio projeto de turismo cultural, e os outros 50% são distribuídos de forma igualitária, independente de gênero e de idade, justamente para a gente não trazer desigualdade interna na comunidade”, explica Rony Paresi, cacique da aldeia Wazare.

Rony afirma que os ganhos financeiros não são o bem maior do projeto. “Através do turismo é que socializamos a nossa cultura, os nossos pensamentos, a nossa espiritualidade, os nossos modos de viver na conjuntura atual, e com isso podemos quebrar paradigmas, preconceitos, essa visão estereotipada que muita gente tem com relação aos povos indígenas”, salienta. “A gente passa a perceber que muitos desses preconceitos são por falta de realmente conhecer a fundo o que é a cultura indígena hoje.”

A liderança destaca que o turismo comunitário tem fortalecido a identidade cultural de seus parentes, à medida em que são explicadas aos turistas a história de origem dos Paresi, além das pinturas corporais, dos jogos tradicionais e parte do conhecimento. “Essas atividades têm envolvido grande parte dos comunitários, sobretudo as crianças. Hoje em dia, crianças e jovens têm orgulho de sua identidade Haliti-Paresi”, conclui.

Mulheres e crianças da Aldeia Wazare / Foto: João Bispo/CNP Turismo

Ainda no Plano de Visitação, o cacique narra como se deu a constituição da Aldeia Wazare e seus respectivos projetos de sustentabilidade. O início do processo originou-se em 1970, por um dos principais líderes do Povo Haliti-Paresi, Daniel Matenho Cabixi, seu pai, que atuou na defesa dos direitos de seu povo e teve de deixar de lado o sonho de constituir uma aldeia junto à sua família, por conta da intensa luta indigenista.

Em meados de 2009, com vontade de realizar o sonho do pai Daniel Cabixi, Rony Paresi passou a projetar junto de seus irmãos e mãe a construção da aldeia Wazare. “Entre 2009 e 2011, foi elaborado um planejamento com foco em várias vertentes consideradas primordiais à futura comunidade. No dia 09 de maio de 2011, toda a família Cabixi fez uma visita de reconhecimento (in loco) para confirmar a viabilidade da construção da aldeia denominada Wazare, cujo nome foi escolhido para referenciar e eternizar a cosmologia do líder mítico do nosso povo Haliti-Paresi. Wazare, junto do sábio irmão Kamahiye, ensinou aos nossos antepassados todos os conceitos e aspectos de sobrevivência no esplêndido Chapadão dos Parecis”, diz o Plano.

Criada em 16 de julho de 2011, a aldeia Wazare possui estrutura arquitetônica tradicional, segundo o Plano, com hatis (casas da cultura Haliti-Paresi) e mantendo o espaço circular do terreiro.

Além da criação de galinhas e da piscicultura, a horticultura e o plantio de árvores para sombra e produção de frutas são outras também atividades sustentáveis complementares para a geração de renda, junto com o plantio de soja e milho, realizado em uma pequena área da TI Utiariti. 

Na experiência turística é oferecido banho natural, passeio de barco no rio Verde e demonstração de pesca tradicional / Foto: Drone

A indigenista e coordenadora do Programa Mato Grosso da OPAN, Artema Lima, que atuou diretamente no PGTA Haliti-Paresi, destaca que o turismo pode proporcionar a conservação dos rios, cachoeiras e de todo o universo cultural dos Paresi. Esta é uma das premissas do turismo de base comunitária, aliar geração de renda e a conservação ambiental. “É uma alternativa para a conservação do Cerrado e das águas. Os territórios Paresi têm um potencial hídrico enorme. Localizados na bacia do rio Juruena e seus afluentes como o Rio Verde, Rio Papagaio, Rio Sacre e também o Rio Formoso, rios com potencial para a realização de esportes radicais como rapel e rafting nas corredeiras e nos saltos, além de proporcionar aos visitantes um turismo contemplativo e cultural”, finaliza. 

FONTE: https://amazonianativa.org.br/

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