19 de agosto de 2012

O renomado acadêmico Mário Beni, fala em entrevista ao DIÁRIO de Turismo, confiram na íntegra.



Foto: Priscila Pariz


Mário Beni: “As coisas não podem ser empíricas, como eram no passado.”
Por Priscila Pariz



Na primeira parte da entrevista concedida à repórter do DIÁRIO, Priscila Pariz, o renomado acadêmico Mário Beni, contou sobre suas experiências ao longo de mais de 30 anos de carreira no turismo, falou sobre ter preconizado a fusão Latan em seu livro “A globalização do turismo”, sobre o ensino de turismo no Brasil, e deu orientações de como as cidades devem proceder para que tenham um turismo estruturado e forte. Além disso tece criticas ao poder público, que segundo ele não entendeu o alcance do turismo, relegando esse segmento a um plano bastante inferior.

“O grande problema, que eu vejo, é que o turismo ainda não é prioridade de governo. A gente sente isso de todas as formas, maneiras e expressões. Não é uma prioridade, o que é uma pena, porque o turismo é, efetivamente, um mobilizador de recursos, gerador de emprego, enfim, transformado”, afirma Beni, o primeiro professor de turismo homologado, autorizado pelo MEC à disciplina de Turismo e Desenvolvimento, depois Teoria e Técnica de Turismo e Planejamento e Organização de Turismo, no início da década de 70. Leia a seguir a primeira parte da entrevista, e acompanhe nas próximas edições a parte final.

"Os hoteleiros ainda não entenderam o processo, então é difícil, principalmente do que diz respeito à capacitação. Eles querem eles mesmo capacitar e na verdade não é por aí. As coisas não podem ser empíricas, como eram no passado. Exige efetivamente uma nova postura.


Diário – O senhor poderia contar ao DIÁRIO quais são os gargalos que o Brasil apresenta que o impedem de sair dos míseros cinco milhões de visitantes estrangeiros por ano, por exemplo?
Mário Beni – Veja, o turismo é uma área extremamente retrátil, ela se retrai diante de vários cenários que fogem do controle do Estado, como oscilações de conjuntura econômica, riscos meteorológicos, geológicos, cenários voltados a questão de saúde, como epidemias, pandemias, enfim, todas essas situações fazem com que o tráfego turístico internacional sofra oscilações. Claro que é preciso se considerar que 85% desse tráfego ocorre no Atlântico Norte, Europa e Estados Unidos, então sobra 15% pra ser distribuído em todo o restante do mundo: Oriente Médio, Sudeste Asiático, América do Sul, etc. A Américo do Sul participa com cerca de 3% do tráfego turístico mundial - não chega a três: 2.8% - e o Brasil, 0,5%. O tráfego turístico mundial se aproxima de 1 bilhão de turistas por ano, com um movimento, uma arrecadação em torno de 1 trilhão – 970 bilhões de dólares. O Brasil está estacionado há 10 ou 12 anos nos 5 milhões de ingressos de turistas por uma razão muito simples: a América do Sul, como um todo, é um destino distante do tráfego internacional, então o Estado pouco pode fazer para desenvolver isso. Ministros já apontaram que a meta era conseguir 9 milhões de turistas por ano, mas é difícil.

Para isso é preciso que o Brasil desenvolva o mercado como um todo na América do Sul. O Brasil precisa crescer como um todo e ter ações integradas com outros países da América do Sul, principalmente no que diz respeito ao tráfego aéreo, e estamos caminhando para isso, ou seja, a fusão Latam, por exemplo – lá em 2003 quando eu coloquei no meu livro “A globalização do turismo”, eu preconizava, coincidentemente a fusão da Lan Chile com a Tam. Isso já se configurava e realmente está acontecendo. Essas fusões vão acontecendo – e no mundo todo vai acontecer – vocês se recordam o que aconteceu com a Aerolíneas Argentinas, essas empresas vão se fundindo de tal modo que, eu acredito num futuro muito próximo, nós vamos ter no máximo de 20 a 30 empresas globais. Esse quadro, realmente, é a única forma de se conseguir uma tarifa competitiva com a tarifa do Atlântico Norte. E aí, então, poderá haver um desvio maior do fluxo.

Diário – O senhor acredita num aumento extremo de demanda internacional durante a Copa do Mundo e Olimpíadas?

Mário Beni - Os jogos Olímpicos e a Copa não vão ser diferentes desse quadro atual. Eu estimo que 10% do tráfego turístico receptivo anual virá para a Copa, então isso dará no máximo de 500 mil a 600 mil turistas. Essa é a minha previsão, que é a previsão que a Academia tem estimado, dos colegas que trabalham nessa pesquisa. Em compensação, é importante dizer que estamos com um déficit na balança turística de mais de R$ 1 bilhão, R$ 1.600 bilhão por mês, por conta de estarmos recebendo 5 milhões de turistas e estamos com um emissor da ordem de nove milhões, quase o dobro, por aí você pode ver.

Diário – E quanto a questão do turismo interno, o senhor vê um crescimento acima da média nos próximos anos?

Mário Beni: O turismo interno está crescendo até numa taxa acima de 4,5%/ 5% ao ano, muito expressiva. Nós já atingimos praticamente a taxa de partida em férias ideal que é 2.7, já até a ultrapassamos, então hoje nós estamos muito próximos a 60 milhões de turistas que é um pouco menos que o receptivo da França. Isso se deveu basicamente a o que? A questão da mobilidade social, ou seja, nós tivemos o ingresso de 50 milhões de novos consumidores, 20 milhões passando da Classe C para a Classe B e 30 milhões da Classe D para a C aproximadamente, então o quadro geral é esse do turismo mundial e do nosso turismo interno.


"Os hoteleiros ainda não entenderam o processo ainda, então é difícil, principalmente do que concerne à capacitação. Eles querem eles mesmo capacitar e na verdade não é por aí. As coisas não podem ser empíricas, como eram no passado. Exige efetivamente uma nova postura."
Diário – O senhor, como presidente do Centur, poderia nos informar porque o segmento turístico não tem uma força política no Congresso Nacional, como é a das bancadas ruralistas, dos ambientalistas, por exemplo?

Mário Beni – Na verdade, tem. Nós temos a Frente Parlamentar do Turismo, nós temos a Comissão de Turismo do Congresso Nacional, tanto no Senado como na Câmara. No Senado, a Comissão de Turismo está agregada à Comissão de Desenvolvimento Econômico, mas existe a representação política, existe o empenho. O grande problema, que eu vejo, é que o turismo ainda não é prioridade de governo. A gente sente isso de todas as formas, maneiras e expressões. Não é uma prioridade, o que é uma pena, porque o turismo é, efetivamente, um mobilizador de recursos, gerador de emprego, enfim, transformador. Eu tenho um testemunho pessoal disso, eu trabalho há quase 15 anos na Universidade de Caxias do Sul, que é uma universidade comunitária, que tem Campis em toda a região da Serra Gaúcha, e lá nós desenvolvemos um trabalho no Mestrado de Turismo, programa de pós-graduação e mestrado, que os resultados estão sendo colhidos agora, nós trabalhamos com o Observatório Econômico da universidade, veja como o turismo consegue efetivamente desenvolver a região, ao ponto de chegar lá a CVC e hoje a própria CVC tem na Serra Gaúcha, bloqueados mais de quase 1.500 apartamentos por ano, que ficam a disposição da CVC para seus pacotes turísticos, e assim por diante, quer dizer, foi um trabalho da universidade junto aos municípios, trabalho que a gente pretende desenvolver aqui e em outros Estados, mostrando que o modelo ideal de desenvolvimento é o modelo endógeno, ou seja, com a participação da população, com as parcerias do público privado, nós estamos vivendo a época do conhecimento e das parcerias, portanto há uma convergência e é difícil, as vezes nós temos dificuldades ainda também lá, porque os hoteleiros ainda não entenderam o processo ainda, então é difícil, principalmente do que concerne à capacitação. Eles querem eles mesmo capacitar e na verdade não é por aí. As coisas não podem ser empíricas, como eram no passado. Exige efetivamente uma nova postura.


Diário – Entrando nesse assunto, o senhor está satisfeito com o nível do conteúdo oferecidos nas disciplinas dos cursos de turismo?

Mário Beni – O conteúdo sempre foi muito bom, o que houve com os cursos de turismo, eu digo isso com muita tranquilidade, porque eu fui o primeiro professor de turismo homologado, autorizado pelo MEC à disciplina de Turismo e Desenvolvimento, depois Teoria e Técnica de Turismo e Planejamento e Organização de Turismo, isso no início da década de 70. Os conteúdos programáticos, sempre foram muito consistentes, com modelos europeus, então o Brasil tem 450 mil turismólogos formados nesses 35 anos, mas poderiam ser melhor aproveitados, eu tenho dito isso – eu sou membro do Conselho Nacional de Turismo – quando se fala nos multiplicadores, nesse processo de capacitação e nesse processo de qualificação profissional, vamos supor que 30% já tenha se destinado a outras áreas, então há um contingente expressivo. Se o governo disponibilizasse para cada município de interesse turístico, alguém que tivesse esta visão de planejamento territorial da transversalidade do turismo que envolve a conciliação de diferentes áreas de atuação pública e privada, evidentemente nós já estaríamos numa situação muito melhor, mas é que é muito difícil porque o poder público ainda não entendeu o alcance do turismo. Sempre tem relegado o turismo a um plano bastante inferior. Aquelas regiões que entenderam a sua força, por isso que eu sempre cito a região da Serra Gaúcha, realmente estão se desenvolvendo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário