14 de setembro de 2020

AGRO FAMILIAR - No estado do agronegócio, burocracia e falta de investimento ameaçam agricultura familiar

Em entrevista ao PNB Online, o presidente Gilmar Brunetto, presidente do Sinterp-MT, conta os desafios enfrentados pelos pequenos produtores rurais de Mato Grosso.

Safira Campos

Da Redação

Arquivo Pessoal

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A atividade de agricultura familiar representa 88% do conjunto de propriedades rurais de Mato Grosso, de acordo com o último censo agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto isso, o Valor Bruto da Produção agropecuária (VBP) da agricultura familiar é estimado em apenas 15% do que é gerado de produção agropecuária em todo o estado. A despeito da produção ampla e diversa, a atividade sofre com burocracia, falta de políticas públicas de fomento e dificuldade de acesso a crédito, e, a contar pelo atual cenário, caminha para um futuro pouco promissor. 

 

Em entrevista especial ao PNB Online, Gilmar Brunetto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Pública de Mato Grosso (Sinterp-MT), conta os desafios enfrentados pelos pequenos produtores rurais no estado do agronegócio. Brunetto, também conhecido como Gauchinho, ainda compartilha a apreensão vivida por centenas de servidores após o governo colocar a Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), responsável pela promoção da agricultura familiar no estado, na lista de estatais a serem extintas.  

 

 

PNB Online - Quais os principais itens produzidos pela agricultura familiar em Mato Grosso? 

 

Gilmar Brunetto - Nós temos  café, arroz, feijão, mandioca, leite de vaca, ovos, mel, piscicultura, gado de corte, aves, suínos, frutas, verduras e legumes, flores tropicais.  É uma variedade muito grande. Mas mesmo assim Mato Grosso importa muitos produtos, gastando R$ 500 milhões com importação de frutas e verduras para atender a demanda interna. O mais incrível é que estamos importando mandioca. E isso é muito ruim porque essa é uma cultura nossa. A grande parte da farinha de mandioca que consumimos aqui vem do Paraná, por exemplo.

 

Na região metropolitana de Cuiabá nós só temos uma agroindústria de produção de derivados de leite e por isso importamos derivados até do Rio Grande do Sul. É uma cooperativa implantada dentro do assentamento Nossa Senhora de Fátima e que vem passando por enormes dificuldades. Estamos tentando articular junto com entidades e com o Governo maneiras de viabilizar recursos para essa cooperativa que tem mais de 140 famílias.  

 

 

PNB Online

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Dados: Censo Agropecuário, PIB agropecuário e Valor Bruto da Produção Agropecuária (IBGE)

PNB Online - Para onde a agricultura familiar mais fornece produtos e onde há mais produção? 

 

Gilmar Brunetto - A produção de uma forma geral é comercializada para programas sociais e consumida nos municípios. E há produção em praticamente todo o estado. Os municípios dominados pela agricultura empresarial também têm agricultura familiar e assentamentos, como Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Primavera do Leste, Campo Verde. Só que se continuar como está essa atividade não vai resistir.  

 

 

PNB Online - Quais as principais dificuldades? 

 

Gilmar Brunetto - Na verdade são muitas. No assentamento Nossa Senhora de Fátima por exemplo, as famílias estão lá há 30 anos e sequer tem o título da terra. Além disso, hoje o agricultor familiar precisa ter o Cadastro Ambiental Rural (CAR), a licença de funcionamento, e uma burocracia para acessar o crédito muito grande. Nós entendemos que tanto o Município, quanto o Estado e a União precisam ter um olhar mais específico para a agricultura familiar. Há muitas exigências para que tenhamos os selos necessários para a comercialização e muitos não conseguem produzir por isso. Há também o fato de que a maioria das pessoas que estão hoje no campo estão com mais de 60 anos e o que faz com o que o jovem não pare lá são diversos fatores, mas principalmente a renda. 

 

    

"Se não investir em agricultura familiar, vai ter que investir mais em policiamento, em presídios. Não é por acaso que parte da população em situação de rua em Cuiabá é vinda do campo"

PNB Online - Vocês ainda temem que a Empaer seja extinta?

 

Gilmar Brunetto - A Empaer hoje está sucateada. Nos falta recurso para fazer os serviços que o agricultor merece. Na campanha o governador fez o compromisso com o sindicato que ia fortalecer a Empaer. Nós ficamos surpresos quando, ao tomar posse, ele colocou a Empaer entre as empresas que seriam extinta. Hoje a Empaer está com o CNPJ sujo há muito tempo. Desde de 1992, quando houve a fusão entre a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MT), a Empresa de Pesquisa Agropecuária (Empa) e a Companhia de Desenvolvimento Agrícola (Codeagri) e surgiu a Empaer. O patrimônio e as dívidas dessas empresas vieram juntas, mas as dívidas eram superiores ao patrimônio. Com esse CNPJ sujo, nós da Empaer não conseguimos acessar recursos da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) e de organismos internacionais. Muito do funcionamento da Empaer é mantido pelos próprios empregados. São questões como compra de papel, cartucho para impressora, conserto de veículos. 

 

Hoje a Empaer tem 551 empregados efetivos, dos quais 278 estão aposentados, mas continuam trabalhando e que precisam sair. Estamos lutando por um Plano de Demissão Voluntária (PDV) justo para essas pessoas, mas estamos encontrando dificuldades também porque a proposta do atual Governo está muito aquém do que os empregados esperavam. Mas não esmorecemos não. Estamos tentando articulação com deputado. Dezoito já firmaram compromisso em áudio e vídeo de que vão nos apoiar.

 

 

PNB Online - Como o senhor definiria a relação do atual Governo Estadual com a agricultura familiar? 

 

Gilmar Brunetto - Acho que há um cenário em que o mais prejudicado é o agricultor familiar. Nós temos campos experimentais em Sinop, Cáceres, Tangará da Serra e Acorizal. Já há produção lá, mas não em condição de atender a grande demanda que Mato Grosso precisa. Há uma grande potencialidade de oferecer frutas, plantas ornamentais, mudas para a recuperação de matas ciliares, etc. Tudo está sendo feito com muito esforço, porque o recurso é pouco.  

 

É preciso dizer que Assistência Técnica e Extensão Rural é um direito constitucional. Para que nós possamos prestar um serviço de qualidade, é necessário um profissional extensionista para cada 100 ou 150 famílias. Nós temos município que tem 3 ou 4 mil agricultores e um único profissional. O Governo ainda quer enxugar e extinguir. Não dá para entender. É sinal de que não há interesse em priorizar essa que é uma atividade muito importante e geradora de empregos. Se não investir em agricultura familiar, vai ter que investir mais em policiamento, em presídios. Não é por acaso que parte da população em situação de rua em Cuiabá é vinda do campo. O jovem vem e não há emprego para ele. Se fossem dadas as condições, muitos não viriam para a capital. 

 

PNB Online - A alta nos preços dos produtos da agricultura empresarial chega a afetar a produção familiar ? 

 

Gilmar Brunetto - Sim. Uma saca de ração para alimentar uma vaca leiteira custava no ano passado R$34,00, com o litro sendo vendido a R$1,40. Hoje a saca de ração está custando R$54,00. Os produtos da agricultura empresarial estão indo para fora do estado e os agricultores familiares que não têm condições de produzir o alimento dos animais, não estão conseguindo alimentá-los, por exemplo. Fora isso, quando estamos falando de agricultura familiar, estamos falando em dificuldades de acessar créditos e de ter o registro da terra. 

 

 

Divulgação / Apoie o Agro Familiar

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PNB Online - Do que se trata a campanha Apoie o Agro Familiar? 

 

Gilmar Brunetto - Essa campanha tem como objetivo mostrar para a sociedade que há produtores e consumidores, mas que a produção ainda é insuficiente. A intenção é alertar as autoridades municipais, estaduais e federais para que haja um olhar mais justo e que orçamento melhores sejam destinados para a agricultura familiar. Além disso, mostrar o quanto o trabalho dessas pessoas faz a diferença na vida de milhares de mato-grossenses. Há um trabalho de incentivo de boas práticas rurais; capacitação de homens e mulheres; difusão de tecnologia, implantação de ações socioambientais, e de dar força mesmo para os pequenos produtores rurais. 

 

 

PNB Online - Que tipo de trabalho prático vocês têm feito para gerar esse alerta? 

 

Gilmar Brunetto - Recentemente nós distribuímos dezenas de cestas com produtos beneficiados que fizeram o maior sucesso. São produtos beneficiados, sem o selo que é exigido, mas feitos com muito carinho e com muito capricho pelos agricultores. No dia 15 a Empaer completa 16 anos e nós iremos à ALMT entregar 24 cestas com produtos da agricultura familiar para chamar atenção não só dos parlamentares, mas de toda a sociedade. Muitas pessoas não se dão conta de todo o trabalho que há por trás do leite, da fruta, da verdura.

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