15 de junho de 2020

A vida do solo

Existe um antigo ditado que diz: "Solo sadio – planta sadia – homem sadio. E pessoas com um espírito sadio não destroem sua base vital e o ambiente onde vivem, mas o conservam.”

POR MARIA CLARA ESTODUCTO PINTO

Ilustração: obra Ana Primavesi, de Pamella Simioni. 

Nos tons terrosos, foram usadas tintas naturais feitas com pigmentos extraídos do solo

Esta frase, dita pela renomada engenheira agrônoma Ana Maria Primavesi (1920 – 2020), pesquisadora austríaca precursora da Agroecologia no Brasil, sintetiza a essência do manejo e conservação do solo, levando em consideração o universo vasto e impressionante que o compõe.

O valioso trabalho desta pesquisadora demonstra a importância da atividade macro e microbiológica do solo, com a produção de matéria orgânica a partir da compostagem e vermicompostagem (com o uso de minhocas), a utilização de adubos verdes, o plantio sem o revolvimento do solo e adição de insumos químicos, além do controle biológico que substitui o uso de inseticidas, com os chamados inimigos naturais.

Seus estudos relacionados à agricultura ecológica retratam a natureza como uma teia da vida que interrelaciona o solo, a água, o clima, os microrganismos, as plantas e os animais. A pesquisadora sempre buscou levar seus conhecimentos à todas as esferas da sociedade, principalmente aos agricultores, para que estes conheçam as características de um solo vivo, buscando autonomia em seus cultivos.

A “Revolução Verde” e a industrialização da agricultura

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, o que restou de armas químicas, perdeu suas funções. Como alternativa para que se salvasse as indústrias químicas, estas armas passaram a ser utilizadas na agricultura. O período correspondente à então “Revolução Verde” chegou ao Brasil durante a ditadura militar, entre as décadas de 1960 e 1970. A partir deste momento, houve uma crescente industrialização e mecanização da agricultura.

Os pacotes tecnológicos oferecidos aos agricultores não correspondiam às suas realidades econômicas, culminando no êxodo rural e, consequentemente, na substituição desses trabalhadores do campo por máquinas e agroquímicos. Com isso, iniciou-se uma exploração e utilização massivas do solo, causadas principalmente pelo monocultivo, esgotando os nutrientes da terra.

Em um contexto atual onde se propaga o agronegócio como “pop”, é importante nos informarmos quais os impactos quando estamos consumindo esses produtos, uma vez que não contribuem para a conservação dos recursos naturais, da agrobiodiversidade e dos conhecimentos tradicionais.

Agroecologia como caminho para promover a “agricultura da não-violência”

Ana Primavesi relata que a agricultura convencional em si já é uma violência às estruturas e aos processos da natureza, onde os sistemas mecanicistas destroem o solo, a água, o clima e, consequentemente, o futuro da humanidade. Porém, existem outras formas de se produzir sem agredir nossos recursos naturais.

A agroecologia surge como uma ciência multidisciplinar, além de um movimento social com organizações de camponeses, indígenas e mulheres, que proporciona a união de saberes técnico-científicos e de povos tradicionais, destacando os saberes do campo para a promoção e conservação da sociobiodiversidade.

Ela promove a segurança alimentar, estimula as feiras, conservação de sementes crioulas - consistindo em uma ruptura com o uso de sementes geneticamente modificadas oferecidas por grandes multinacionais -, além de integrar arte, cultura e políticas públicas. Torna-se importante instrumento de conscientização e mudança frente à atual pandemia, em que há a necessidade de se repensar o modelo do agronegócio vigente para enfrentarmos a crise civilizatória.

Existem algumas práticas utilizadas na transição agroecológica, como a rotação de culturas, em que a cada ciclo são cultivadas espécies diferentes em uma mesma área, para não se esgotar os nutrientes do solo; a utilização de adubos verdes com uso de plantas leguminosas, onde suas raízes, consorciadas com bactérias chamadas rhizobium, fixam nitrogênio da atmosfera no solo; os policultivos, com a associação de várias espécies na mesma área e ao mesmo tempo, como por exemplo: hortaliças, milho, mandioca etc; e a cobertura do solo com palhas ou vegetação, que protege os solos tropicais contra a insolação direta, o impacto das gotas de chuva e do vento, nutre a fauna do solo e incorpora essa cobertura através de sua decomposição, produzindo matéria orgânica, entre outros benefícios.

O solo é nosso maior patrimônio

Quando falamos da utilização do solo, podemos levar em consideração aspectos que não são exclusivos da alimentação, como também para as construções civis, água, promoção da saúde, educação, arte, lazer etc. Desta forma, devemos compreender a importância que o solo tem nas nossas vidas e dos serviços ecossistêmicos por ele prestados.

O solo é um ambiente complexo onde há interações químicas, físicas e biológicas. A vida do solo é representada por animais invertebrados, fungos e bactérias, que são a grande chave para a manutenção do solo como um organismo vivo através de vários processos, em que os organismos mobilizam os nutrientes e os disponibilizam para as plantas. Assim, devemos preservar a fauna que transita pelo solo, como por exemplo as minhocas – consideradas as “engenheiras do solo” –, que promovem a fertilidade através da produção de matéria orgânica e a permeabilidade ao cavarem túneis, contribuindo para um melhor enraizamento.

Entendendo-se que a matéria orgânica é um elemento primordial para a manutenção de um solo sadio, é importante realizar um manejo que não seja nocivo e que promova a conservação dos seres que ali vivem, colaborando para o equilíbrio e o respeito à natureza, onde o solo é a base de toda a vida.

*Maria Clara Estoducto Pinto é bióloga, professora e mestranda em Agricultura Orgânica pela UFRRJ/Embrapa Agrobiologia.

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