4 de maio de 2020

Luta por água e memória histórica marca rotina em quilombo no Maranhão

Quilombo Santa Rosa dos Pretos criou campanha para construção de poços artesianos 6 min de leitura 

Priscilla Geremias 

Da Redação 

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Anacleta Pires da Silva, de 51 anos, é quilombola do Santa Rosa dos Pretos (Foto: Divulgação/Sabrina Duran) 


A quilombola Anacleta Pires da Silva, de 51 anos, luta desde os 18 pela regulamentação latifundiária do quilombo Santa Rosa dos Pretos, localizado às margens da BR 135, no município de Itapecuru-Mirim, no Maranhão. E também pela construção de poços artesianos e pelo resgate memorial e histórico do território.

Anacleta é uma das líderes do quilombo e, junto com outras mulheres, trava uma luta diária contra a falta d'água, que é uma questão na região desde a construção da Ferrovia dos Carajás pela mineradora Vale e da duplicação da BR-135, quando igarapés foram cimentados. Anacleta esteve em São Paulo dia 22 de junho para divulgar a campanha "Rega Santa Rosa", que reivindica a construção de 15 poços em nove comunidades quilombolas no território Santa Rosa dos Pretos.

Ao lado de Dona Dalva, de 55 anos, trabalhadora rural e descendente de escravos, e Fernanda Cabral, ativista mineira que vive em São Paulo e é porta-voz do projeto "Rega Santa Rosa", Anacleta roda o Brasil levando a campanha, as histórias e as músicas do quilombo para arrecadar fundos. "Hoje, bebemos água da chuva e viajamos a outras comunidades para conseguir água", diz Anacleta. A ação é apoiada por Bia Antony, amiga pessoal de Fernanda.
 

Dona Dalva, de 55 anos, é quilombola e usa o canto como "arma" para lutar (Foto: Veronica Falcón) 

"Por falta de dinheiro, é difícil rodar o Brasil, mas sempre que possível propagamos as informações dos conflitos que existem dentro da comunidade, não só pela água, mas também por educação, saúde e moradia”, conta Anacleta. “O bom é que conseguimos cuidar do nosso território. Até onde sabemos, são 800 famílias vivendo lá. Esse número não é estatístico, pois não é possível fazer esse acompanhamento, mas o fazemos de forma prática contando quantas pessoas têm por casa.”


O quilombo produz arroz, mandioca, feijão, milho e verduras e legumes e funciona num esquema à base de trocas. "As pessoas produziam seus alimentos, mas diante de tantas violações na natureza, agora também nos preocupamos com a produção para a venda”, conta. Com as obras da Vale, a água passou a ficar poluída, antes não tinha poluição, as pessoas não adoeciam, então hoje nos alimentamos ou vendemos os alimentos para comprar remédio e roupa", explica a quilombola.

CANTAR TAMBÉM É LUTA

Na luz baixa e colorida do Aparelha Luzia, quilombo urbano no centro de São Paulo, onde foram recebidas para divulgar o projeto, Anacleta e Dona Dalva falaram à Marie Claire sobre a vida no quilombo.

Dona Dalva, de nascimento Maria Dalva Pires Belford, não é de falar muito, então cantou tudo o que queria dizer junto com o grupo de mulheres Samba Negras em Marcha. "Vi as estrelas do céu alumiar, daioco, lá na praia (...) vejo o Sol, vejo a Lua, daioco, lá na praia de São José. (...) oh leva o meu navio, trazer o meu vapor, está chegado a hora de eu cantar o Terecô, lá fora, lá no terreiro, ela vai ao seu louvor meu divino verdadeiro."


Dona Dalva é neta de uma mulher que foi trazida da África para ser escravizada no Maranhão (Foto: Veronica Falcón) 

"Meu trabalho é cantar e quebrar coco", diz Dona Dalva, neta de Catarina Miranda, que foi trazida da África para ser escravizada no Maranhão. "Não sei escrever nem ler, mas sei cantar, aprendo a tocar sambas. A energia da gente é muito forte, nós negros pretos, ribeirinhas e indígenas temos energia forte, aprendo a música como um dom."

"A luta pela água está mais fácil do que a pela terra, porque os governantes acham que mandam em tudo. Quando tem negros sofrendo, eles fazem é rir. Ainda bem que temos esse dom, que dá força para lutar, cantar e se divertir. Eu canto sobre muita coisa, o que falta é as pessoas entenderem", diz Dona Dalva.

MISSÃO DE VIDA

Anacleta, nascida e criada no quilombo Santa Rosa dos Pretos, "que não é o único no Maranhão", ressalta ela, gosta mais de conversar. "É muito forte o reconhecimento memorial dos anciões em nossa comunidade. Meu pai, hoje com 85 anos, é uma das memórias vivas do quilombo. Ele não teve a oportunidade de estudar, mas sua história representa uma importante memória que está sendo transferida para o papel por meus filhos, que têm um papel fundamental nesse resgate", diz.

Hoje, as principais lutas do quilombo são a regulamentação latifundiária, fazer da memória história um registro escrito e a construção de poços artesianos.


"Não dá pra explicar o que me fez começar a lutar, esse sentimento me despertou muito cedo, acredito que tinha uns 7 anos”, conta a quilombola, que iniciou suas lutas "formalmente" aos 18 anos, como seu pai.

O maior desejo da quilombola era estudar e trabalhar em prol do seu povo. "Fui crescendo com isso e não via a hora de completar os 18 anos, que é quando a família dispara o filho para ele ter uma vida própria. Eu esperei essa data, mas no movimento eu iniciei um pouco antes. Já acompanhava o meu pai em reuniões, apesar de não ter sido criada com ele, já que ele e minha mãe se separaram quando eu tinha um ano de idade. Como tinham muitos conflitos e mortes, apenas com 18 anos podia entrar na luta, por isso eu não via a hora de chegar na maioridade", diz Anacleta.
 

Quem luta por qualidade de vida, corre riscos", diz Anacleta (Foto: Veronica Falcón) 

Para ela, quando o assunto é luta e doação de vida, "poucos querem se manifestar". "As pessoas têm medo de correr risco de vida ou não têm disponibilidade. Há lideranças que já foram mortas e nada foi feito, como ocorreu recentemente com a vereadora carioca Marielle Franco. Até hoje, ninguém sabe, ninguém viu. Quem luta por qualidade de vida, corre riscos.”


RESGATE DA MEMÓRIA

Anacleta tem quatro filhos. Josiane, 27, Joécio, 26, Josicleia, 24 e Josidália, 22. "Todos eles vivem no quilombo e só saem de lá para ir à aula durante a semana. O vínculo deles com a terra é muito forte. Somos todos fruto de sete famílias que vieram da África e sofreram as consequências da escravização, que executou nossos pretos. Meu tataravô e bisavô por parte de pai foram escravizados, e uma parte da família da minha mãe também", conta ela.

A ativista conseguiu cursar o ensino médio e fez graduação em Pedagogia da Terra junto com seus filhos na Universidade Federal do Maranhão. "Estudei com Josiane e Joécio, isso foi o mais gostoso da vida e a felicidade trasborda até hoje em poder estar fazendo parte do mesmo espaço do meu filhos", diz a quilombola.

Apesar de todas as dificuldades, Anacleta diz que é preciso ser sensível para lidar com tudo isso. "O processo de luta requer muito uma sensibilização para o convencimento, não dá para enfrentar de forma agressiva, mas, sim, fazer com que as pessoas se sintam parte desse processo. Me aproximo das pessoas com humildade e simplicidade. O Quilombo Santa Rosa é minha vida. Sou um pedaço da Santa Rosa, todos que vivem lá são. Nossa força está no Santa Rosa".

Anacleta estudou Pedagogia da Terra com dois dos seus filhos no Maranhão (Foto: Sabrina Duran) 

* Em tempo: a Vale informou que as obras no trecho próximo à comunidade quilombola de Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim, foram encerradas em 2013 e cumpriram rigorosamente todas recomendações de controle ambiental previstas no âmbito do Plano Básico Ambiental, elaborado e fiscalizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Fundação Cultural Palmares. Em relação à denúncia de que as obras teriam dificultado o acesso da comunidade de Santa Rosa dos Pretos à água, a Vale esclarece que não há qualquer evidência de que o projeto de expansão tenha influenciado nesta questão. Este resultado foi atestado por meio de um diagnóstico das áreas de influência do empreendimento sobre os corpos hídricos, realizado em 2014, pela Vale. Os resultados do estudo foram protocolados junto ao IBAMA; 

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FONTE:  https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2018/07/luta-por-memoria-historica-e-agua-marca-rotina-em-quilombo-no-maranhao.html

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