4 de novembro de 2017

Conhecimento agricola quilombola fica mais perto de virar patrimônio imaterial brasileiro

Quilombolas

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Vale do Ribeira

Associações Quilombolas e ISA protocolam dossiê e documentário sobre Sistema Agrícola Quilombola do Vale do Ribeira no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)


Mutirão da colheita de arroz na comunidade do quilombo Morro Seco

Os quilombolas do Vale do Ribeira (SP) desenvolveram, há mais de 300 anos, uma forma de cultivar alimentos na Mata Atlântica que dispensa adubo ou agrotóxico.

A roça de coivara usa fogo controlado para abrir espaço na mata. Quando a chuva cai, as cinzas fertilizam o solo, que está pronto para o cultivo. Depois de três a cinco anos de trabalho na mesma área, o agricultor quilombola a abandona por outro terreno. Assim, em uma espécie de rodízio, a floresta pode voltar em sua exuberância.

O plantio acontece "no tempo certo" e, geralmente, na lua minguante. Arroz, milho, feijão, inhame, mandioca e cana-de-açúcar, entre outros cultivares, crescem "com a ajuda da natureza", como afirmou em depoimento Edivina Maria Tiê Braz da Silva, do Quilombo Pedro Cubas de Cima, e atraem a fauna local, que se alimenta de parte dela. As colheitas são comemoradas em muitas celebrações religiosas, em que acontecem a partilha de produtos da roça.

Números

O Vale do Ribeiro abriga, ao todo, 88 comunidades quilombolas em variados graus de reconhecimento pelo Estado. Dos 7% que restaram do bioma de Mata Atlântica em território nacional, 21% estão localizados no Vale do Ribeira.

Em 1999, em virtude da extensa área de Mata Atlântica preservada, esta região passou a Patrimônio Natural da Humanidade, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco).

"Quando faz mutirão de colheita tem baile. Junta o povo, é o povo que faz a festa. Dança de par. Violão, sanfona, cavaquinho, pandeiro. Aqui só tem violão. O resto dos instrumentos os convidados trazem. Vamos pro poço tomar banho, pode tomar uma cachaça, depois vai jantar e iniciando na viola”, disse Antoninho Ursulino, em depoimento de 2010.

Esse conjunto de conhecimentos transmitido na prática, em que os mais jovens aprendem ao assistir e colaborar com os mais velhos, compõem o Sistema Agrícola Tradicional Quilombola do Vale do Ribeira, apresentado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com 19 associações quilombolas no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em dossiê, documentos e um documentário, para se tornar patrimônio cultural imaterial brasileiro.

Assista aqui ao documentário sobre o Sistema Agrícola Tradicional Quilombola do Vale do Ribeira.

"O registro como patrimônio imaterial representa o reconhecimento da importância histórica da roça de coivara para a permanência das comunidades quilombolas nos vales e montanhas florestados mais remotos da região", disse Raquel Pasinato, coordenadora do Programa Vale do Ribeira do ISA.

"Em centenas de anos de interação com o espaço, os quilombolas criaram suas formas próprias de organização social, usos e representações sobre o território, marcando a paisagem do Vale do Ribeira. Embora o sistema agrícola tradicional venha se transformando ao longo do tempo, ele é resultado histórico da experiência das comunidades negras neste território desde o período colonial, e continua sendo o principal meio de vida para muitas famílias", afirmou Anna Maria Andrade, antropóloga do ISA.

O que é um Sistema Agrícola Tradicional?

Segundo o Iphan, “sistema agrícola tradicional é o conjunto de elementos, desde os saberes,
mitos, formas de organização social, práticas, produtos, técnicas e artefatos, e outras manifestações associadas que envolvem espaços, práticas alimentares e agroecossistemas manejados por povos e comunidades tradicionais tradicionais e agricultores familiares. Nesses sistemas culturais, as dinâmicas de produção e reprodução dos vários domínios da vida social ao longo das vivências e experiências históricas orientam processos de construção de identidades e contribuem para a conservação da biodiversidade”

Exemplo de sistema agrícola protegido como patrimônio cultural brasileiro é o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, no Amazonas. Saiba mais aqui.

O material foi protocolado no Iphan em 24 de outubro e, agora, o dossiê será avaliado tecnicamente. Se o reconhecimento oficial acontecer, o Iphan juntamente com as comunidades e parceiros devem elaborar e implementar o Plano de Salvaguarda, que envolve o desenvolvimento de ações de fortalecimento do sistema e políticas públicas que fomentem as roças quilombolas.

Nenhum quilombo a menos

A campanha "O Brasil é Quilombola, Nenhum quilombo a menos!", lançada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), já recebeu mais de 100 mil assinaturas.

A campanha articulada pela Conaq e organizações parceiras, como o ISA, começou em defesa do Decreto 4.887/2003, que regulamenta a demarcação dos territórios quilombolas. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239, ajuizada pelo DEM, em 2004, contra a norma, pode ser retomado nas próximas semanas no STF. Assine você também a petição!

O número de quilombolas assassinados no Brasil, em 2017, chegou a 14, de acordo com levantamento da Conaq. Levando em conta os dados disponíveis, desde o início da década, este pode ser o ano mais violento para os quilombolas. Lideranças e especialistas ouvidos pelo ISA apontam que o aumento da violência tem ligação com o cenário político atual, que potencializaria as consequências dos conflitos de terras.

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Roberto Almeida

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Retomada dos mutirões de arroz no quilombo Morro Seco|Marília Garcia Senile-ISA

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