30 de novembro de 2015

Alagamento torna Pantanal estéril


Fonte: Agência Folha

Assoreamento no Rio Taquari. Foto: João Vila/Mapeamento Fotográfico da Bacia do Rio Taquari.

A ação humana destruiu o ciclo natural de cheias e secas numa parte do Pantanal em Mato Grosso do Sul, aponta um relatório feito pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). A área total do impacto ambiental, somada, equivale a três cidades de São Paulo.

A conclusão está no Projeto Pantanal-Taquari, finalizado em março passado depois de três anos de estudo. O trabalho foi produzido pela Embrapa Pantanal em conjunto com o Instituto Alterra e a Universidade de Wageningen, na Holanda. "O problema não é novo, mas a compreensão dele é nova", disse a chefe-geral da Embrapa Pantanal, Emiko Kawakami de Resende.

Uma área total de 5.000 km2 foi transformada em trechos de alagamento permanente, devido ao assoreamento do rio Taquari. Isso representa 3,6% da área de cerca de 140 mil km2 do Pantanal, que se espalha pelos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

O trecho afetado, onde o curso natural do rio desapareceu por causa do desmatamento, fica perto do encontro das águas do Taquari com o rio Paraguai, no chamado baixo Taquari. "Essa inundação permanente transformou aqueles 5.000 km2 num ambiente que funciona como um lago oligotrófico (pobre em nutrientes)", diz Resende.

Apesar de a imagem do Pantanal estar normalmente associada às imensas áreas verdes cobertas por água, há também as épocas da vazante e da seca, que são essenciais para a manutenção desse ecossistema. O processo sazonal que vai da seca à inundação é denominado pulso de inundação.

Círculo fechado - O pulso de inundação determina a riqueza das comunidades de peixes e outros organismos aquáticos, bem como a fertilidade da terra. "O sistema tem de encher e secar a cada ano. Esse processo, no caso dos peixes, faz com que haja uma oferta muito maior de alimento. Com a cheia, toda a vegetação terrestre mais sensível morre. Ela se decompõe e se transforma em detrito, comida preferencial de peixes como os curimbatás", explica Resende.

Ao longo do período de inundação há também o desenvolvimento de plantas aquáticas que filtram esses detritos e os retêm em suas raízes, o que propicia o desenvolvimento de insetos, os quais também servem de alimento a peixes. Quando o sistema seca novamente, restam os detritos, que são aproveitados pela vegetação terrestre para crescer durante o período de seca.

O relatório registrou o impacto do alagamento permanente sobre a oferta de peixe. Nas décadas de 1970 e 1980 a quantidade capturada na bacia variava de 300 a 620 toneladas por ano. Mas a partir de 1994 a pesca tem sido menor do que cem toneladas ao ano.

Além de propiciar menor quantidade de alimento aos habitantes da região, a redução mexeu com a cadeia alimentar de animais aquáticos e semi-aquáticos, como jacarés, lontras e diversas aves.

A inundação permanente também teve impacto sobre a criação de gado no Pantanal, devido à redução das áreas de pastagem. Também prejudicou culturas de subsistência, como milho e feijão.

Migração - Esse problema foi tratado em trabalho produzido pelo pesquisador Fernando Fleury Curado, da Embrapa Pantanal. Ele identificou 153 famílias remanescentes no baixo Taquari, em localidades que já chegaram a abrigar 550 famílias. A redução das áreas de pastagens obrigou uma parte da população a deslocar-se para as cidades de Ladário e Corumbá.

Problema vem de política do governo militar

A inundação permanente no baixo Taquari é conseqüência da obstrução do fluxo do rio na região da planície, onde seu leito foi reduzido devido ao acúmulo de sedimentos. O estudo da Embrapa verificou que esse processo de assoreamento do rio foi acelerado a partir da década de 1970.

Naquela época, o governo militar incentivou o povoamento de áreas do planalto do entorno do Pantanal para o desenvolvimento da agricultura e pecuária.

"Aquela área toda do alto Taquari é, na sua maior parte, arenosa. Se você tirar a cobertura vegetal para colocar pasto ou agricultura, a primeira chuva arrasta uma enormidade de areia para o rio", diz Emiko de Resende. A destruição de trechos da vegetação que acompanha o curso do rio (chamada de mata ciliar) também contribuiu para o problema.


Os sedimentos são arrastados para a parte baixa do rio. Como a correnteza na planície é muito fraca, há acúmulo no fundo do Taquari. "O leito do rio ficou tão alto que está acima das áreas laterais, as planícies. Quando o rio arromba [abre um canal e a água invade a planície], não volta mais para o leito na época da seca, porque o leito está mais alto que o campo", explica.





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