23 de junho de 2014

Milho vive velho dilema da falta de uma política

Produção e estudos apontam que o biocombustível, especialmente a partir do cereal, é viável, mas a ausência de incentivos frustra a prática 


Mato-grossense paga caro pelo etanol e isso desestimula consumo. Produção de milho poderia baratear combustível

MARIANNA PERES
Da Editoria

O segmento produtivo mato-grossense, especialmente os produtores de milho, busca a todo custo agregar valor à superprodução estadual e definitivamente transformar o cereal em uma commodity de liquidez tal como a da soja, ou pelo menos, menos vulnerável às oscilações de oferta e demanda do mercado. Uma das alternativas, já em prática no Estado desde 2011 com um projeto pioneiro em Campos de Júlio, é fazer da cultura uma matriz energética, por meio do etanol de milho. Mas assim como o biocombustível derivado da cana-de-açúcar, o originado do milho, que mal nasceu, enfrenta o mesmo dilema: abastecer qual mercado e como concorrer com a gasolina?. 

A produção mato-grossense de etanol a partir da cana, prevista para mais de um bilhão de litros nesse ano, é suficiente para atender ao mercado local e ainda outros mercados, inclusive o exterior se houvesse logística, devido ao excesso de oferta. E o etanol do milho poderia trazer o litro na bomba para cerca de R$ 2. 

Como aponta o presidente da Câmara Setorial da Soja e diretor da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado (Aprosoja/MT), Glauber Silveira, produção é o que não falta no Estado. No ano passado foram colhidas mais de 22 milhões de toneladas e o potencial estadual sustenta novos recordes de produção. “Na semana passada, a Céleres Consultoria e o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) bateram o martelo e disseram tudo aquilo que o segmento precisava ouvir: produzir etanol de cereais é extremamente viável no Centro-Oeste. A produção de etanol seria uma forma de pôr fim a um ciclo que temos, chega a safra e o preço do milho despenca e inviabiliza a produção seguinte”. Mas o próprio Silveira destaca que mesmo com estudos positivos, a realidade volta a falar mais alto: “Vamos vender para quem e em que condições?”. 

Conforme a Aprosoja/MT, Mato Grosso deve produzir nesta safra 15,4 milhões de toneladas com potencial de chegar a 34,9 milhões de toneladas nos próximos dez anos. O estudo “Oportunidades na cadeia de processamento de cereais para produção de proteínas e biocombustível – Uma avaliação das oportunidades do Centro-Oeste do Brasil” foi produzido pela Céleres Consultoria a pedido da associação. Para ‘batida do martelo’, o estudo considerou um investimento na usina no valor de US$ 68 milhões para o consumo de 500 mil toneladas de cereais (milho, sorgo etc.) ao ano, com um playback de seis anos e uma TIR (taxa interna de retorno) de 27,26%. “Temos uma aptidão enorme no Brasil de produzir etanol e hoje consumimos mais gasolina que etanol. Se estivéssemos na proporção 60% etanol e 40% gasolina, Mato Grosso teria hoje de importar etanol. Por que as pessoas deixaram de abastecer com etanol? A resposta está no preço do etanol e da gasolina, a diferença atual é menor que 30%, o que faz com que as pessoas optem pela gasolina em função do maior rendimento por quilômetro rodado”. 

Mas para Silveira, o dilema de “vender para quem” vai muito além de uma questão simples de mercado, entre preferir este ou aquele combustível e de ter etanol em excesso no mercado. “Temos escutado constantemente os usineiros dizendo que o problema é a intervenção estatal, pois o governo federal mantém um preço político à gasolina, preço este que deveria estar 20% mais alto. Se não fosse esse preço artificial, o etanol seria mais competitivo e aumentaria o consumo significativamente. Fica claro que o controle do governo sobre o preço da gasolina é um dos problemas”. 

FORMAÇÃO DE PREÇO - Como destaca Silveira, fica claro que para haver aumento do consumo de etanol é preciso aumentar a diferença do preço do derivado da cana para o derivado de petróleo. “As usinas vendem para a distribuidora atualmente, o litro entre R$ 1,40 e 1,60, valor que contabiliza custos e impostos, inclusive o frete até Cuiabá. O custo de produção industrial do etanol no geral fica em torno de R$ 0,40/litro e o preço nos postos varia de R$ 2,05 a R$ 2,45 reais. Há um acréscimo de quase R$ 1 por litro. Na minha cidade, Campos de Júlio, temos uma usina, a Usimat. Lá me informaram que eles vendem às distribuidoras, na safra, o litro de etanol a R$ 1,57 posto em Cuiabá e, pasmem, nos postos da minha cidade, que ficam a apenas 70 quilômetros da usina, o preço do etanol na bomba é de R$ 2,41, ou seja, R$ 0,84 de acréscimo. Um dos problemas desse acréscimo no preço é o ‘passeio’ dado pelo combustível: o etanol carregado na usina é transportado até Cuiabá e depois volta para os postos da região. Esse ‘passeio’ custa ao consumidor R$ 0,14 mais por litro”. 

Silveira frisa que há usinas quebrando por estarem com margens apertadas e consumidores que não usam etanol por considerarem o litro caro. “Na região Centro-Oeste, onde temos uma enorme aptidão para produzir milho e cana, poderíamos estar abastecendo 100% com etanol, e o consumidor estadual podia estar pagando cerca de R$ 1,90 a R$ 2 no litro de etanol”. 


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